Capitulo VII
Harry não se incomodou quando outra árvore apareceu na porta de Hermione. Gostava de árvores, em especial de pinheiros. Mas não foi igualmente tolerante com relação ao homem que surgiu junto à árvore.
Tinha cabelos escuros e olhos claros. Harry fitou-o como fitaria um inimigo, pronto para a luta. O recém-chegado não tirava os olhos de Hermione, e nem tomou conhecimento da presença dele, ocupado que estava em ganhar pontos.
-- Aqui está a árvore, conforme lhe prometi -- o rapaz disse a Hermione com ar de vitória, como se tivesse arrancado à árvore do solo e não comprado em um mercado local.
E sem esperar pelo convite, ou dar a Hermione a chance de lhe explicar que já havia uma árvore na casa, ele entrou.
Para desaponto de Harry a grande árvore passara com facilidade pela porta, sem a menor luta. Ele nunca vira um pinheiro tão passivo.
Dando um passo à frente para ajudar, com uma expressão de dó no rosto, Harry disse:
-- Que pena, rapaz. Você teve tanto trabalho para nada! Hermione já tem uma árvore de Natal.
O rapaz olhou para Harry como se só naquela hora se desse conta de que havia outras pessoas na sala além de Hermione. Examinou Harry da cabeça aos pés.
-- E você, quem é? -- perguntou.
-- Harry é meu chefe -- Hermione respondeu ao recém-chegado e fechou a porta. Amavelmente explicou a Harry. -- Este é Jeff Ingram. Jeff acabou de mudar para o apartamento embaixo, duas semanas atrás. Lembra-se de Gin e Sam, não, Jeff?
Ingram sorriu para o casal, mas não sorriu para Harry. Os dois homens apenas trocaram acenos de cabeça e se mediram com olhares.
-- Então você é o chefe de Hermione? -- Ingram comentou.
-- Sim, sou esse felizardo -- Harry respondeu com um sorriso tão falso quanto rasgado. Foi para bem perto dela e acrescentou: -- Sou o chefe dela e também um bom amigo.
Hermione afastou-se e ficou perto de Gin, no sofá. Ao lado Sam não tirava os olhos da bandeja de aperitivos.
Ingram encarou Hermione mais uma vez, e falou, em um tom de queixa:
-- Pensei que você me tivesse dito que não tinha ainda uma árvore de Natal.
-- E não tinha. Harry surpreendeu-me com uma. -- Ela estendeu o braço apontando para a árvore de Harry.
Todos olharam naquela direção. A árvore de Harry, no canto da sala, estendia seus galhos ousadamente como se impedisse que se aproximassem dela.
-- Que árvore... interessante -- disse Gin, com olhar divertido.
-- Diferente. -- Foi à sucinta contribuição de Sam.
Ingram foi menos diplomático.
-- Os galhos estão um pouco secos demais. É melhor não pôr luzes nela. -- Ingram olhou para sua árvore e perguntou a Hermione: -- Tem certeza de que quer ficar com esta?
Por um segundo o olhar de Harry cruzou com o de Hermione. Depois virou o rosto, fingindo se interessar pela bandeja de aperitivos. Serviu-se de um biscoito com queijo, dizendo a si mesmo que a decisão de Hermione não o interessaria ao mínimo.
Não poderia culpá-la se ela escolhesse a árvore de Ingram. Ele lhe levara a árvore mais mal cuidada que pudera encontrar, para fazê-la rir. Ficou indiferente, esperando que ela aceitasse a maior.
Com o canto dos olhos Hermione observava a árvore de Ingram mordendo o lábio, indecisa. Depois cruzou as mãos e disse a ele, com voz suave e sincera:
-- Sua árvore é linda, Jeff. Por isso eu gostaria que outras pessoas tivessem a chance de vê-la também. Uma vez que a árvore pequena já está instalada, você se importaria se nós levássemos a sua para o abrigo das mulheres? Eu a veria junto com todos, quando estivesse lá.
Ingram não pareceu encantado com a sugestão. Mas demonstrou prazer quando Gin exclamou:
-- Que ótima idéia!
-- Ok -- ele concordou. -- Passarei por lá amanhã. Deixe-me levá-la de volta à caminhonete.
Ingram se animou um pouco mais quando Hermione sugeriu:
-- Que tal irmos todos levar a árvore agora? Eu gostaria de observar o rosto das crianças quando a vissem.
-- Eu também. -- Gin levantou-se do sofá e começou a pegar o casaco e a echarpe. Sam levantou-se com relutância, vendo-se obrigado a abandonar a bandeja de aperitivos.
Harry decidiu não ir. Ver Ingram brincando de Papai Noel na frente das crianças era mais do que ele poderia agüentar.
-- Bem, preciso ir. Foi um prazer conhecer vocês todos. -- Ele pegou sua caneta de ouro, o paletó e o novelo de lã.
-- O que é isso? -- Ingram lhe perguntou, erguendo as sobrancelhas.
-- É meu suéter. Hermione o fez para mim.
Ignorando a expressão de surpresa de todos e o rosado das faces de Hermione, Harry tomou o caminho da porta.
Um coro de despedidas seguiu-o. Se Hermione ficou chocada e Ingram feliz, Harry procurou não se preocupar nem perturbar. Desceu as escadas e foi para o carro.
Considerando-se o desenrolar dos acontecimentos, ele sentia-se satisfeito com o trabalho da noite, pensava, enquanto abria a porta do carro. Não ganhara a guerra ainda, mas conseguira alguma coisa positiva.
O anjo -- e até o jogo de xadrez -- deram prazer a Hermione. Ele teria preferido não sair antes de Ingram, mas o rapaz não conseguiria muito, relação à Hermione, em um abrigo de mulheres, em especial com Gin e seu companheiro presentes. E quando Hermione voltasse a casa, veria sua árvore, não à de Ingram, na sala, fazendo-a lembrar-se dele.
Sim, fora uma noite produtiva. Não estava nem mesmo aborrecido pelo fato de os outros terem aparecido. Concluiu que o que deveria fazer era mudar um pouco sua estratégia.
Ele dirigiu para a casa pensando em como Hermione complicara as coisas. Primeiro com suas fantasias sobre amor e casamento. Depois, negando que o beijo significara algo para ela.
Agora, cercava-se em seu apartamento por Gin, Sam e com o agitado Jeff, na esperança de conservar seu chefe à distância.
Mas ele, seu chefe, precisava convencê-la a não se esconder da verdade. A admitir que gostara do beijo, que gostava dele, e a parar de fingir que não gostava. Uma vez conseguido isso, a faria concordar com um affair e a pôr a idéia de casamento de lado.
O que precisava fazer era convidá-la a ir a um lugar onde esperaria nada de romântico. E aí agir, pegando-a desprevenida.
Harry sabia qual seria esse lugar.
-- Um jogo de hóquei? -- Hermione olhou longamente para seu chefe. Estavam revendo o projeto Bartlett, em preparação para a viagem, quando Harry fez o convite. -- Você está me convidando para ver um bando de homens adultos munidos de bastões recurvados correndo atrás de uma pequena bola, tentando impeli-la através de arcos?
Harry deu um longo suspiro. Recostou-se na cadeira e olhou para o teto, pedindo paciência a Deus.
-- Já lhe disse antes, Hermione. Eles correm atrás de discos de borracha, não de bolas. E fazem isso com tacos apropriados para hóquei no gelo.
-- Entendo...
Está bem, agora ela sabia os termos corretos para descrever o jogo, Harry disse a si mesmo. O que ela ainda não sabia era o que estava atrás desse súbito convite.
Hermione não confiava em Harry, e especialmente não confiava em se tratando de convite tão fora de hora.
-- Você nunca me convidou antes para um jogo de hóquei -- ela explicou.
-- Fizemos um monte de coisas ultimamente que nunca fizemos antes -- ele murmurou.
Hermione sentiu o sangue subir-lhe ao rosto quando se lembrou do beijo. Mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, Harry acrescentou:
-- Kane gostaria de levar Joe e Norma Benton ao jogo, mas não pode fazer isso a menos que eu vá junto, pois sou sócio do clube, e ele não. Sugeriu então que eu levasse uma companheira, pois Norma se sentiria melhor com outra mulher para conversar.
Hermione sabia que os Benton eram clientes muito antigos da firma, e que Kane ou Harry o levava com freqüência para eventos esportivos. Porém ela nunca fora com eles antes.
-- Por que eu? -- Hermione perguntou.
Harry sorriu e disse:
-- Em primeiro lugar porque as mulheres que eu convidava antes não estão falando comigo por causa do incidente do colar. E, uma vez que você provocou o problema, é justo que me ajude agora. Além disso, teremos uma chance de esquecer o desagradável acontecimento. Poderemos ser amigos de novo, como fomos outra noite.
A outra noite fora muito interessante, Hermione reconheceu. Ela adorara o anjo e o jogo de xadrez que Harry lhe dera. E a árvore a fizera sorrir. Ele agira muito bem no caso da bola de lã do suéter, e mais importante ainda, não tomara uma atitude sexual na direção dela.
O que era exatamente o que desejava, ela refletiu, mas sentindo um aperto no coração. Gostara de ir com Jeff levar a árvore ao abrigo de mulheres, para ver a alegria das crianças. Jeff talvez a houvesse beijado ao deixá-la em casa, se Sam e Gin não estivessem presentes. E Hermione apostaria que, para Jeff, um beijo seu significaria mais do que se fosse para Harry.
mas não, de qualquer maneira não havia nada tangível que ela pudesse acusá-lo de ter feito ou dito desde a conversa que tiveram. Talvez fosse sua imaginação -- e só Deus sabia como era farta -- mas não acreditava que houvesse mais naquele convite do que simples gentileza.
-- O que devo usar em um torneio de hóquei? -- ela perguntou a Harry, para testá-lo.
-- Trata-se apenas de um jogo, não de um torneio. -- Ele sacudiu os ombros. -- Quanto ao que usar... não sei. Algo quente, calça, um suéter pesado. Algumas vezes os estádios podem ser um pouco frios.
Harry voltou a ler o relatório e Hermione passou a examinar o que ele dissera. Um suéter pesado? Calça? Isso não lhe parecia que ele tinha sedução em mente.
E provavelmente não tinha. Você está ficando paranóica, ela se censurou. Esse convite não significa nada.
Como para confirmar que não precisava se preocupar, Harry encarou-a e disse:
-- Não faça essa cara tão assustada, não é nada fora do comum. Se você já tiver planos para amanhã à noite, ou se não desejar ir, tenho certeza de que poderei encontrar alguém para ir comigo.
-- Eu irei. -- Afinal, não haveria razão para Harry se dar ao trabalho de procurar outra pessoa. Em especial considerando-se que ela teria prazer em ir, pois nunca havia assistido a um jogo de hóquei. Hermione pensou mais uma vez e confirmou: -- Não tenho outros planos.
Harry nem se deu ao trabalho de levantar a cabeça para responder:
-- Bom -- ele disse, aparentemente distraído. -- Passarei para apanhá-la às seis horas.
Hermione pôde sentir o ar frio quando se uniram à multidão que entrava no estádio. Respirou fundo, tremia um pouco enquanto fechava melhor o casaco.
Harry observou seu gesto.
-- Está com frio? -- perguntou, segurando-lhe a mão. -- Onde estão suas luvas?
-- Esqueci-me de trazê-las.
Harry esquecera-se das dele também, tinha os dedos nus. Mas Hermione sentiu-se bem ao segurar-lhe a mão. Bem demais. Alarmada pelo modo como o toque de Harry a perturbava, tentou soltar a mão. Porém, ele segurou-a com mais força.
-- Não quero perder você -- disse ele em resposta ao olhar surpreso de Hermione. -- Há uma grande multidão aqui esta noite.
E havia, ela concordou. E como não queria perdê-lo, ou criar problemas por causa disso, resolveu deixar que Harry a conduzisse pela mão enquanto atravessavam o enorme corredor.
Hermione olhava, surpresa, para as pessoas que encontravam no caminho. -- Quase todos estão de preto -- ela comentou. E olhando para a camisa de Harry, acrescentou: -- Você também.
Ele parou, fazendo-a parar. Não dando atenção às pessoas que vinham atrás, examinou-a cuidadosamente da cabeça aos pés.
-- Oh, não! -- Harry exclamou, em um tom de censura.
Hermione teve certeza de que ele queria apenas provocá-la, só podia ser. Mas, apesar disso, olhou apreensiva para o jeans que usava e para o suéter azul.
-- O que houve? O que há de errado? Fiz alguma bobagem?
-- Não. Acho que não. Mas vire-se um minuto. -- Ele a fez girar para ver-lhe as costas.
-- Harry!
-- Não, não é o que você está pensando. Mas é pior. Muito pior. Está usando as cores do inimigo. Não tenho certeza se quero me sentar a seu lado -- Harry divertia-se amolando-a.
-- Pois não o faça -- ela retrucou e começou a andar na frente. Mas Harry segurou-a pela mão.
-- Tenho de me sentar. Os lugares são numerados.
-- Muito engraçado você, não acha? -- Hermione observou.
-- E, além disso, nossos lugares são excelentes.
De fato eram excelentes, Hermione constatou logo. Bem perto da pista do jogo.
-- Por onde andam os Beton? -- Ela perguntou, assim que tirou o casaco.
Harry sacudiu os ombros.
-- Joe me preveniu que estariam um pouco atrasados. Os Benton moram nos arredores da cidade, e iam jantar fora antes.
Os Benton poderiam ter jantado aqui, ela pensou. Um cheiro de comida enchia o ar, e se ouvia muito bem o barulho da multidão no restaurante.
Muitas pessoas ainda chegavam, mas Hermione notou que os jogadores já se aqueciam no campo coberto de gelo. Pareciam em um balé, o time preto de um lado do rinque, o azul do outro.
Os goleiros eram como ursos, caminhando em volta do gol, guardando suas cavernas. Usavam preto, luvas, e davam tapinhas no juiz cada vez que ele chegava perto.
Ambos os times foram para seus lugares. Hermione notou que ela estava sentada perto do banco de reservas do time visitante, os Azuis, o St. Louis Blues. O uniforme deles era exatamente da mesma cor de seu suéter, ela notou. Isso a fez simpatizante do time.
-- Vou torcer para os Blues -- Hermione comunicou a Harry.
Ele sacudiu a cabeça.
-- Os Negros vão arrasá-los.
-- Não, não vão.
-- Quer apostar? -- Harry esboçou um sorriso de vencedor.
Hermione sentiu seu rosto pegar fogo. Sabia que Harry caçoava dela. Comparava o jogo com o relacionamento entre eles dois. Suas palavras funcionavam como um desafio.
-- Tudo bem. Quer apostar dez dólares como os Azuis vencerão com facilidade? -- Ela erguera a cabeça ao falar.
-- Hermione, Hermione, Hermione -- Harry censurou-a. -- Não está sempre me dizendo que apostas em jogos são ilegais? Eu estava pensando em um pagamento mais amigável.
-- Como o quê, por exemplo? -- Ela fitava-o, desconfiada.
-- Não sei. Que tal um beijo?
-- Quer dizer que terei de beijar você se perder? -- Hermione o encarava com as pálpebras apertadas.
Harry arregalou os olhos, em choque.
-- Claro que não -- disse. -- você terá de me beijar se vencer.
Hermione quis rir. Mas não ousou. Só o pensamento de o beijar de novo fez seu coração acelerar. E respondeu, o mais naturalmente que pôde:
-- Não concordo.
-- Tudo bem. -- Ele suspirou. -- Faremos como você quer. Eu a beijarei se você perder.
Hermione fingiu não ouvir. Chegando mais perto, Harry sussurrou no ouvido dela, em um tom de provocação:
-- A menos que você... tenha medo?
Claro que tinha medo, Hermione pensou. Mas por nada no mundo confessaria isso a ele. Tinha certeza de que poderia lhe dar um beijo ligeiro no rosto se fosse necessário.
Hermione observava o desempenho de seu time, esperando que os jogadores fizessem uma infinidade de pontos, quando seu olhar cruzou com o olhar de um dos rapazes. Um atraente rapaz louro.
O rapaz sorriu, um sorriso charmoso. Hermione devolveu-lhe o sorriso.
-- O que está fazendo? -- Harry lhe perguntou.
Hermione surpreendeu-se com o tom de voz dele.
-- Estou animando meus jogadores. -- Hermione franziu o sobrolho. -- Estou causando algum problema para você?
Harry fitou-a com olhar de aço. Por Deus, sim, havia um problema, sim! E, se aquele Romeu não parasse de flertar Hermione, haveria logo um problema para o Romeu também.
-- Sim, está causando um problema. Veja, Hermione, trata-se de um jogo de hóquei. Sorrir para um jogador do jeito que você sorriu, bem, o faz muito feliz. E isso o enfraquece, afasta sua energia para a luta. Pensei que você quisesse que os Azuis vencessem, e agora os está afastando da vitória.
-- Pare com isso, Harry -- ela ordenou. Seus lábios tremiam com o esforço para não sorrir. -- Sei que isso não pode ser verdade.
-- Claro que é. Se você quer mesmo que o rapaz tenha sorte, ajude-o a adquirir a atitude certa para jogar. Assim, por exemplo.
Harry fez uma demonstração. Lançou ao jogador dos Azuis um olhar em código com uma mensagem silenciosa. Cuidado, rapaz, ou eu tiro esse taco de sua mão e lhe quebro a cabeça. Prometo.
-- Acho que está funcionando -- Hermione disse secamente. -- Ele parece furioso agora.
-- Muito bem. É o mínimo que pude fazer para depois de sua atitude ousada. -- Harry tentava parecer modesto. -- O que é justo, eu sempre digo.
Ele pôs um braço possessivo em torno dos ombros de Hermione e olhou para o jogador outra vez. Viu? Procure uma mulher em seus sonhos, rapaz. Esta é minha.
-- Olhe com indiferença agora -- Harry insistiu, apertando o ombro dela sob a forma de encorajamento.
Hermione olhou, mas na direção errada.
-- Não para mim -- Harry protestou. -- Não estou jogando hóquei esta noite. Mas agora é tarde demais. O jogo vai começar.
E o jogo começou. Os jogadores deslizavam de um lado para o outro sobre o gelo. A cada quinze minutos um atingia o outro com o taco.
Hermione adorou o jogo.
-- Eles são tão violentos! -- ela comentou, lançando um olhar divertido a Harry.
Seu coração bateu mais forte quando os Azuis pegaram o disco de borracha. Porém ela gemeu quando os Negros tomaram-no de volta. Hermione observava uns adolescentes perto de Hermione, que aplaudiam enquanto devoravam enorme quantidade de cachorro-quente, hambúrguer, e batata frita. Gostou da música estridente, do tom gramático do anunciante. Lia tudo o que aparecia na tela eletrônica. "Observem os discos se movendo". "Não se entreguem à conversa". Havia tanto para se ver!
Foi só no intervalo que Hermione se lembrou dos Benton.
-- Eles ainda não chegaram? -- ela perguntou a Harry. -- Será que aconteceu alguma coisa?
Harry não pareceu preocupado.
-- Se aconteceu, Joe tem o número de meu celular. Provavelmente estavam presos no trânsito.
Hermione ia sugerir que eles telefonassem para o casal quando os jogadores voltaram ao rinque. Esquecendo-se dos Benton, ela ficou tensa no instante em que os adolescentes gritaram para animar um jogador dos Azuis que se separara do grupo, carregando o disco.
Entusiasmada, Hermione berrou: "Ponto!", no mesmo momento em que o jogador perdia essa oportunidade.
A palavra pairou no ar, em um desses momentos de silêncio que às vezes acontecem nas multidões. Vários pares de olhos viraram-se para ela, e um homem gordo, que estava bem atrás, disse:
-- Perca as esperanças, lady. Potocki não consegue marcar ponto nenhum.
-- Sim, consegue! -- ela protestou com lealdade. Mas depois não teve muita certeza do que dissera.
Harry encarou o homem não com muito bons olhos. Ao se sentar de novo, segurou uma das mãos de Hermione, e a colocou sobre sua coxa quente.
Hermione estremeceu. Harry parecia tão absorvido no jogo! Talvez nem soubesse que segurava as mãos dela. Fizera aquilo sem pensar! Esquecera-se de que era ela quem estava sentada a seu lado, e não Amy, Maureen ou Nancy. Disfarçadamente, tentou puxar os dedos.
Porém Harry apertava-os com força.
Ela virou-se e encarou-o. Harry sorriu e perguntou:
-- O que há de errado, Hermione?
Outro desafio. Como o da aposta. E, de repente, tudo ficou muito claro para ela. Por que os Benton não haviam aparecido? Por que Harry a convidara para o jogo? Aí ela chegou a uma conclusão que a preocupou: o ato de puxar a mão poderia ter dado a Harry uma prova de que o toque a perturbava, que ela não era tão indiferente como tentara convencê-lo.
Sorriu e disse:
-- Nada. Não há nada de errado.
E ficou olhando para o rinque. O que estaria Harry pensando? Que era tão presa a seus charmes que não resistiria? Que só por estar segurando sua mão pularia nos braços dele? Como era convencido!
Hermione concentrou-se na competição. Os jogadores deslizavam com mais entusiasmo agora, determinados a se aproximar do disco negro. Os fãs gritavam com toda força dos pulmões, animando-os. O homem gordo atrás dela repetia sem parar, com voz rouca: "Vamos!, vamos!, vamos!" Os adolescentes assobiavam de tempos a tempos.
E, no entanto, tudo em que Hermione conseguia pensar era em sua mão presa à da Harry.
Porque agora ele não apenas a segurava, mas brincava com seus dedos. Hermione usava uma anel de pérola, presente de sua mãe, que ele torcia distraído para um lado e para o outro, enquanto observava o jogo.
Hermione tentava prestar atenção só no jogo, sem muito sucesso, contudo. Harry entrelaçou seus dedos nos dela e com o polegar traçava círculos na palma da delicada mão. Quase causava cócegas.
Hermione sentiu uma onda de calor invadindo seu corpo inteiro. Nunca imaginara que a palma da mão fosse tão sensível. Uma sensação quase dolorosa surgiu entre suas coxas, na parte mais sensível do corpo da mulher.
Chocada ante sua reação, puxou a mão em pânico e se levantou.
-- Por favor, lady, quer se sentar? -- o homem gordo protestou, exasperado. -- Estamos assistindo a um jogo!
Automaticamente ela sentou-se, e Harry sorriu, aquele mesmo sorriso sarcástico, seu conhecido.
-- Estou... com fome -- Hermione disse, apontando para um vendedor de guloseimas perto deles. -- Quero aquelas balas.
Harry comprou as balas para ela e amendoim para si.
Hermione abriu o pacote com os dedos trêmulos. Ok, não havia motivo para se preocupar. Poderia resistir a Harry. Tudo de que necessitava era se conservar calma, não deixar que Harry tomasse conta dela. Ao menos no momento ele não lhe segurava as mãos. E ela possuía algo em que pensar: comida.
Pegou três ou quatro balas e encheu a boca. Tentou se concentrar nas balas em vez de no homem calmamente comendo amendoins a seu lado. Mas o aroma masculino como que a convidava a inalar com mais profundidade. O ombro largo encostava nela, lembrando-a da presença máscula, e Hermione morria de vontade de encostar o rosto no dele.
-- Outro fora. Esses meninos precisam conservar a mente no jogo -- Harry comentou.
-- É claro que precisam -- Hermione concordou, sem saber com certeza a que falha ele se referia.
Hermione fitou-o. Gostava dos cílios escuros e espessos que contornavam os olhos verdes de Harry. E a voz? Adorava na voz de Harry, o som profundo e rouco provocava-lhe frenesi na espinha.
-- Quer um pouco? -- ele perguntou, aproximando o saco de amendoim. Colocou um punhado na mão dela.
Hermione comeu-os um a um, tomando cuidado para não engasgar. Sentia a garganta tão apertada! Quando terminou, chupou algumas balas. Mais para manter suas mãos ocupadas, e fora de perigo, do que por estar com fome.
no instante em que ela estava com uma bala descascada na mão, Harry segurou-lhe o pulso e encostou a bala na própria boca. Mordeu-a, tirando-a dos dedos dela com os dentes.
Em seguida fechou os lábios e chupou-lhe os dedos, o que a deixou atordoada.
-- Hum, que delícia! -- ele murmurou e lambeu-lhe a palma da mão também. -- É salgada.
Foi erótico, foi louco. Pessoas passavam em volta deles, enquanto Hermione sentia-se como se ela e Harry estivessem sendo conduzidos, pelo próprio silêncio, ao borbulhar do sexo.
Harry beijou-lhe o pulso. Desceu os lábios até os dedos, até a ponta do dedo mínimo, circundando-o com a língua molhada. Claro, Hermione estava estarrecida. Seus mamilos endureceram como se tivessem sido sugados e suavemente.
Segurava a respiração e os olhos de Harry expressavam paixão profunda. Agora ela ofegava. A multidão aplaudia ao redor. Harry tinha um olhar de satisfação. Aí, de repente, ele estendeu seu corpo pesado sobre ela, e ficou imóvel, um peso morto. Hermione parecia horrorizada.
Ele fora longe demais! Em cima dela e em um lugar público! Com o rosto enterrado na camisa de Harry, virou a cabeça e com voz abafada ordenou:
-- Harry Potter, saia de cima de mim imediatamente! -- E empurrou-o pelos ombros.
-- Dê-lhe uma chance, lady! -- o homem gordo berrou do banco de trás. -- Ele salvou-a daquele disco, não foi? E o disco o derrubou. |