Com uma um vaso de pipoca na mão, Gina se encaminhou a sala onde estavam olhando um filme em vídeo. Tinham passado a manhã e a tarde falando a respeito de tudo, menos do único que a interessava de uma maneira desesperada: os planos que tinha Harry para descobrir quem tinha assassinado sua mulher, para limpar assim seu nome. A primeira vez que ela falou no tema, ele repetiu o que havia dito no dia anterior, a respeito de não querer estragar o presente com preocupações sobre o futuro. Quando explicou que queria ajudá-lo em todas as formas possíveis, ele se zombou e perguntou se era uma detetive privada frustrada. Em lugar de arruinar o dia, insistindo no tema, Gina o deixou cair no momento e aceitou a sugestão de Harry de que vissem algum dos filmes que havia no grande armário de vídeos. Harry insistiu em que fosse ela quem escolhesse, e Gina se sentiu incômoda ao comprovar que entre os vídeos figuravam alguns filmes interpretados por ele. Incapaz de suportar o só pensamento de vê-lo fazendo amor com outra mulher em uma dessas cenas ardentes pelas que era justamente famoso, decidiu-se por um filme que Harry não tinha visto e que ela achou que gostaria.
Harry parecia satisfeito com sua escolha antes de que começasse a assistir, mas, segundo Gina descobriu pouco depois, o simples passatempo de ver um filme era algo distinto para Harry Potter, ex-ator e diretor, para o resto dos mortais. Para completa confusão de Gina, Harry parecia considerar que o cinema era uma forma de arte que devia ser minuciosamente estudada, analisada, dissecada e avaliada. Em realidade, foram tantas suas críticas, que ela por fim inventou a desculpa de ir preparar pipoca com tal de economizar-se seus comentários negativos.
Olhou a tela gigante no momento de colocar a pipoca sobre a mesa, e lançou um involuntário suspiro de alívio. O filme estava acabando.
Harry a observou, admirando a graça natural de sua maneira de caminhar e a sutil elegância com que luzia a roupa. Ante sua insistência, essa tarde Gina tinha escolhido outro conjunto do armario da proprietária da casa: uma singela camisa branca de seda, com amplas mangas, e um par de calças negras de crepe de lã com cintura pinzada. Sua maravilhosa cabeleira brilhante caía em ondas sobre os ombros. Gina se vestia com uma elegância casual que ficava maravilhosamente bem. Harry tratava de decidir que classe de vestido de noite ficaria melhor com essa simples sofisticação tão dela, quando se deu conta de que nunca teria ocasião de levá-la à recepções sociais que exigiam vestidos longos. Seus dias de assistir a estreias de Hollywood, a bailes de beneficência, a estreias da Broadway e a entrega de prêmios da Academia já tinham terminado, e não compreendia como acabava de esquecer. Não poderia levar a Gina a esses lugares. Não a poderia levar nunca a nenhuma parte.
Saber disso resultou tão deprimente que teve que esforçar-se para que essa realidade não estragasse outro dia memorável passado a seu lado. Fez um esforço supremo para pensar tão somente na noite que se estendia ante eles, e sorriu ao vê-la sentar-se a seu lado no sofá.
— Não quer escolher outro filme? — Perguntou. O último que Gina queria era ter que suportar as críticas de outro filme escolhido por ela. E já que era evidente que Harry queria ver outro, estava disposta a assistir, mas não a ser responsável pela escolha.
— Escolheremos juntos, quer? — Propôs Harry ao vê-la duvidar.
A contra gosto, Gina ficou de pé e se aproximou do móvel que continha mais de cem filmes, desde clássicos até atuais.
— Tem alguma preferência? — Perguntou ele. Gina percorreu os títulos, inquieta ao ver na lista os nomes de vários filmes protagonizados por Harry. Sabia que, embora fosse por simples amabilidade, devia sugerir que vissem algum dos seus, mas resultava impossível, sobre tudo nessa tela gigante onde poderia perceber cada detalhe das cenas de amor que interpretava.
— Estou indecisa — disse depois de uma longa pausa. — Proponho que você escolha vários e logo eu decidirei entre esses.
— Está bem. Diga os quais são seus atores preferidos.
— Nos filmes antigos — respondeu ela —, Dino Newman, Robert Redford e Steve McQueen.
Harry mantinha a vista cravada no móvel de vídeos. Surpreendia-se que por pura cortesia não tivesse incluído seu nome na lista. Surpreendia-se e também doía um pouco. Embora decidiu que seus filmes não cabiam dentro da categoria de "antigos". Ignorou por completo a presença de filmes interpretados por esses três atores.
— Os filmes que há aqui são quase todos dos últimos dez anos. Quais são os atores mais novos que você gosta?
— Ummm... Kevin Costner, Michael Douglas, Tom Cruise, Richard Gere, Harrison Ford, Patrick Swayze, Mel Gibson — respondeu Gina, enumerando os nomes de todos os atores que recordava —, e Sylvester Stallone!
— Swayze, Gibson, Stallone e McQueen... — repetiu Harry com tom desdenhoso, e ofendido porque ela não incluiu seu nome na lista de seus preferidos. — De todos os modos, por que você gosta dos homens tão pequenos?
— Pequenos? — Perguntou Gina, olhando-o surpreendida. — São pequenos?
— Muito pequenos — respondeu Harry com total injustiça e falta de veracidade.
— Steve McQueen era baixo? – Perguntou ela, fascinada por essa informação quase secreta. — Nunca teria acreditado! Quando eu era garota o considerava tremendamente macho.
— Era macho na vida real — respondeu Harry com brutalidade, voltando-se para o gabinete dos vídeos e simulando estar completamente absorto neles. — Por desgraça não sabia agir.
Ainda incômoda porque Harry não dava sinais de estar decidido a encontrar o verdadeiro assassino de sua mulher para poder reatar sua antiga vida, Gina de repente pensou que se recordava dos benefícios de sua vida anterior, possivelmente se decidisse a fazê-lo.
— Aposto que conhecia Robert Redford, não?
— Sim.
— E que tal era?
— Baixo.
— Isso não é verdade!
— Não disse que fosse um miúdo. Digo que não é alto.
Apesar da atitude pouco alentadora de Harry, Gina seguiu adiante.
— Suponho que foi amigo íntimo de toda classe de atores famosos... Gente como Dino Newman e Kevin Costner e Harrison Ford e Michael Douglas.
Não obteve resposta.
— Foi?
— Se era o quê?
— Amigo íntimo deles.
— Se a isso refere, não fazíamos amor.
Gina se afogou de risada.
— Não posso acreditar que tenha dito isso! Sabe que não era o que perguntava.
Harry tirou vídeos de filmes interpretados por Costner, Swayze, Ford e Douglas.
— Aqui está. Escolha.
— A de cima, Dirty Dancing — disse Gina sorrindo com aprovação, apesar de que parecia um desperdício perder tempo vendo vídeos.
— Não posso acreditar que queira ver isto! — Exclamou ele com desdém, colocando o filme de Swayze na videocassete.
— Você que escolheu.
— Você que queria ver — retrucou Harry, fazendo esforços inúteis para falar com indiferença.
Durante doze anos, as mulheres o tinham enfurecido e enojado pendurando-se dele, lançando exclamações de admiração e jurando que era seu ator preferido. Buscavam-no nas festas, interrompiam-no em restaurantes, paravam-no na rua, perseguiam-no com seus carros e colocavam chaves de quartos de hotel no bolso dele. E agora, pela primeira vez em sua vida, queria que uma mulher admirasse seu trabalho e ela parecia preferir a qualquer outro antes que a ele.
Apertou o botão play do controle remoto e observou os títulos que começavam a rodar.
— Quer uma pipoca?
— Não, obrigado.
Gina o estudou com cuidado, tratando de imaginar o que acontecia com ele. Estaria tendo saudades se sua vida anterior? De ser assim, não era algo negativo. Ela não queria lhe provocar nenhuma angústia, mas não podia menos que pensar que Harry devia estar falando a respeito da necessidade de provar que ele não tinha matado a sua mulher, embora não quisesse confiar a ela seus planos para obtê-lo. Começou o filme. Harry estirou as largas pernas, cruzou os braços sobre o peito e assumiu a atitude do homem que espera receber uma impressão desagradável.
— Não temos necessidade de ver isto — esclareceu ela.
— Não perderia isso por nada do mundo.
Instantes depois lançou um desaforo de desprezo. Gina ofereceu o vaso com pipoca.
— Acontece algo ruim?
— A iluminação é um desastre.
— Que iluminação?
— Olhe a sombra que há sobre a face de Swayze.
Ela olhou a tela.
— Acredito que se supõe que deve haver sombra? É de noite.
Lhe dirigiu um olhar de desgosto, e não disse nada.
Dirty Dancing sempre tinha sido um dos filmes favoritos de Gina. Adorava a música, as danças e a simplicidade da refrescante história de amor; e começava a desfrutá-la quando Harry comentou:
— Acredito que usaram gordura no cabelo do Swayze.
— Harry — disse ela, com tom de advertência —, se for começar a destroçar este filme, desligue.
— Não direi uma só palavra mais. Simplesmente ficarei aqui sentado.
— Me alegro.
— E contemplarei a má direção, a péssima montagem e o diálogo espantoso.
— Isto é o cúmulo!
— Fique quieta! — Advertiu Harry quando ela tentou levantar-se. Enfurecido consigo mesmo por comportar-se como um adolescente ciumento, denegrindo atores que tinham sido amigos deles, ao mesmo tempo que criticava um filme que era excelente dentro de sua categoria, apoiou uma mão sobre o braço de Gina e prometeu: — Não direi uma única palavra mais, a menos que seja para ponderar. Harry cumpriu sua promessa e não voltou a falar até a cena em que Swayze dançava com sua companheira. Então disse: — Ela sim que dança. Fizeram bem em inclui-la no elenco.
A loira da tela era bonita e talentosa e tinha uma figura maravilhosa. Gina gostosamente teria dado uma perna por parecer com ela e sentiu uma absurda pontada de ciúmes que lhe custou ocultar ante o mau humor de Harry. Além disso pareceu injusto que ele não ponderasse o talento de bailarino de Patrick Swayze. Estava a ponto de comentar que pelo visto todas as mulheres dos filmes pareciam comprazê-lo, quando compreendeu que talvez ele sentisse o mesmo quando ela ponderava seus competidores. Olhou o perfil pétreo de Harry e perguntou:
— Está com ciúme dele?
— Como vou estar com ciúme de Patrick Swayze! — Respondeu ele com ar desdenhoso.
Obviamente gosta de ver mulheres bonitas, pensou Gina, e lhe doeu, apesar de compreender que não tinha nenhum direito a sentir isso. Também era óbvio que a ele esse filme resultava insuportável.
— Por que não vemos Daça Com Lobos — perguntou com um tom amável. — Kevin Costner realizou uma atuação esplêndida e é o tipo de história que um homem gosta.
— Vi na cadeia.
Mais cedo tinha confessado ter visto quase todos, de maneira que Gina não compreendeu o que teria isso a ver.
— E você gostou?
— Achei meio parado.
— Bom! — Exclamou Gina, compreendendo que nenhum filme, com exceção dos seus mereceria sua aprovação, e que ela teria que aguentá-lo ou tragar seu mau humor. — Pelo menos você gostou do final?
— Kevin modificou o final do livro. Devia ter deixado como estava.
Sem dizer uma palavra mais, Harry se levantou e se encaminhou à cozinha, para preparar-se um pouco de café. Fazia esforços por controlar-se. Estava tão furioso consigo mesmo por seus comentários injustos a respeito de ambos os filmes, que duas vezes calculou mal a quantidade de café e teve que voltar a começar. Patrick Swayze fazia um excelente trabalho no primeiro filme; Kevin Costner não só era seu amigo mas também com Dança Com Lobos ganhou a aclamação que merecia, e Harry se alegrou por isso.
Estava tão enfrascado em seus pensamentos que não se deu conta de que Gina tinha mudado de vídeo até ter cruzado a metade da sala com duas taças de café nas mãos. Ali vacilou e por um instante, ficou petrificado e incômodo pelo que ela acabava de fazer. Não só tinha trocado o filme por um dele, mas também tinha feito avançar para a cena de amor do meio, que estava observando sem som. De todas as cenas de amor que tinha interpretado, essa de Estranhos Íntimos, estreada mais de sete anos antes, era a que mais sexo tinha.
Nesse momento ele ficou imóvel, observando o irreal que era ver-se na cama com Glenn Close em um filme que não havia tornado a ver desde sua estreia. Pela primeira vez em sua vida, Harry se sentiu incômodo por algo que tinha feito no cinema. Não se deu conta de que o desconforto não era causado pelo que tinha feito, mas sim por que Gina estava olhando com uma atitude de indiferença que não escapou a ele. Como tampouco escapou que, embora ela simulou não conhecer todos os filmes interpretados por ele que havia nesse armário, conhecia-os o suficientemente bem para procurar uma cena determinada.
E ao considerar sua expressão de frieza, junto com a cena que deliberadamente tinha escolhido ver, teve a sensação de que se sentia melhor um momento antes, quando só tinha que mostrar seu ciúmes insensatos. Colocou as taças de café sobre a mesa, sem compreender por que se sentia tão zangado.
— Que pretende, Gina ?
— O que quer dizer? — Respondeu ela com uma indiferença que não tinha nada a ver com a sensação desagradável que sentia na boca do estômago ver Harry apoiando uma mão sobre o corpo de Glenn Close, a boca sobre a sua para lhe dar um beijo tórrido como os que dava nela, seu torso bronzeado brilhando contra o alvo de um lençol que apenas lhe cobria os quadris.
— Sabe o que quero dizer. Primeiro agiu como se jamais tivesse visto um dos filmes interpretados por mim que há nesse armário, e depois decide ver um e busca diretamente esta cena.
— Vi todos os seus filmes — informou ela, com a vista fixa na tela e negando-se à olhá-lo — tenho quase todas em vídeo, incluindo este. Vi este em particular pelo menos meia dúzia de vezes. — Assinalou a tela com a cabeça. — E ali que tal é a iluminação?
Harry separou a vista de seu rosto para olhar brevemente a tela.
— Não está mau.
— E que tal é a interpretação?
— Não está mau.
— Sim, mas acha que fez um bom trabalho com esse beijo? Quer dizer, poderia havê-la beijado mais profundamente ou com mais força nesse momento? Possivelmente não — adicionou ela mesma com amargura. — Já tinha a língua dentro de sua boca.
A frase explicava com eloquência o que lhe estava passando, e agora que compreendia, Harry lamentou todo o dito, que em última instância a levou a tomar essa atitude. Nunca supôs que a incomodaria vê-lo fazer algo que, para ele, não era mais que uma questão de trabalho, simplesmente um filme, algo que fazia diante de dúzias de pessoas que povoavam o set.
— O que sentia quando ela devolvia o beijo com tanta paixão?
— Calor — respondeu ele. E ao ver o gesto de Gina se apressou a esclarecer: — As luzes soltavam um calor espantoso. Eu me dava conta de que eram muito fortes e estava preocupado por isso.
— Ah! Mas sem dúvida nesse momento não devia estar preocupado pelas luzes — disse Gina, assinalando a tela como se a hipnotizasse. — Não enquanto tinha as mãos sobre o peito dela.
— Acho que lembro que tinha vontade de enforcar o diretor por nos haver obrigado a fazer outra tomada dessa cena.
Ela ignorou por completo a verdade e, depois de um tom sarcástico, falou com mal dissimulada dor.
— Pergunto-me o que pensava Glenn Close nesse momento... Enquanto a beijava no peito.
— Ela também fantasiava com a possibilidade de poder assassinar o diretor... E pelo mesmo motivo.
— Sério? — Disse Gina com sarcasmo. — E no que acredita que estava pensando quando você subiu em cima dela?
Harry pegou seu queixo e a obrigou a olhá-la.
— Sei o que estava pensando. Rezava que eu tirasse o cotovelo de seu estômago para que não voltasse a ter um ataque de risada que estragaria outra vez a tomada.
Em vista de sua tranquila sinceridade e de sua atitude indiferente, de repente Gina se sentiu muito tola com a falta de sofisticação. Lançou um suspiro exasperado.
— Lamento ter me comportado como uma idiota. Fingi que não me interessavam seus filmes porque me aterrorizava a ideia de ter que ver uma cena de amor entre você e outra mulher. Já sei que é tolo, mas faz com que eu sinta... — Interrompeu-se, negando-se a pronunciar a palavra "ciúmes", porque sabia que era algo que não tinha direito a sentir.
— Ciúmes? — Sugeriu Harry e, dita em voz alta, a palavra resultava ainda mais desagradável.
— O ciúmes é uma emoção destrutiva e imatura — declarou Gina.
— E consegue que as pessoas fiquem irracionais e que sejam impossíveis de se dar — conveio ele.
Gina agradeceu não ter pronunciado a palavra, e assentiu.
— Bom, sim, depois de ter visto essas cenas tenho vontade de... Ver um filme diferente.
— Parece-me bem. Que filme você gostaria de ver? Diga qualquer ator que queira. — Ela abriu a boca para responder, mas ele adicionou: — Sempre que não seja Swayze, Costner, Cruise, Redford, Newman, McQueen, Ford, Douglas ou Gere.
Gina o olhou surpreendida.
— E quem resta?
Passou um braço por sobre seus ombros, aproximou-a de si e sussurrou a resposta contra seu cabelo.
— O Mickey.
Gina ficou sem saber se rir ou pedir uma explicação.
— O Mickey! Mas por quê?
— Porque — murmurou ele, lhe beijando a têmpora —, acredito que poderia ouvir Mickey sem me converter em um ser "irracional" e com quem é "impossível de se dar bem".
Tratando de ocultar o prazer que sentia com o que ele acabava de admitir, Gina elevou o rosto e disse de brincadeira:
— Sempre resta Sean Connery. Ele esteve bárbaro em The Hunt for Red October.
Harry elevou as sobrancelhas em um gesto de desafio zombador.
— Além disso, sempre restam outros seis de meus filmes nesse armário.
Depois de ter brincado com respeito ao que ele acabava de admitir, mas evitando confessar seu próprio ciúmes, Gina lamentou sua covardia. Olhou-o nos olhos.
— Me resulta odioso vê-lo fazer amor com Glenn Close — confessou.
O prêmio para sua coragem foi que ele acariciasse seu queixo e lhe desse um beijo de tirar o fôlego.
n/a: ohhhhhhhhhhh são tão fofinhos juntos! Espero que estajam gostando... então comentem... E Edwiges Potter a próxima fic se tudo der certo vem antes dessa aqui terminar e com certeza é H/G... Bjus! |