O rangido do couro da sela e o tinir das esporas constituíram um alarme para quebrar o transe de Hermione. Forçando-se a levantar a cabeça, fitou, entorpecida, os cinzas insondáveis que a fixavam do alto do cavalo.
A parada para descanso havia acabado. O bando estava novamente montando e pronto para se pôr a caminho. Hermione fitou as linhas duras e bem-definidas do rosto do cavaleiro dos olhos cinzas, o seu novo feitor.
Tentando recuperar suas reservas de força, a castanha conseguiu se erguer e ficou oscilando sobre as pernas. O nó tinha se soltado e a corda a pendia, frouxa, à volta da cintura. Ficou esperando que ela fosse apertada, para o cavalo sair andando e esticar a corda enrolada no arção dianteiro da sela.
Ao invés disso, uma mão enluvada pegou a corda que jazia sobre a perna vestida de negro. Com uma torção hábil do pulso, o nó à volta da cintura caiu no chão. O cavalo foi tocado em sua direção. Tateando entre seus sentidos atordoados, Hermione tentou entender o que estava acontecendo, mas esse esforço foi demais para ela.
Inclinando-se sobre a sela, ele a prendeu na curvatura de aço do seus braços, erguendo-a como se não passasse mais do que uma criança. Na verdade, a castanha se sentia como se não tivesse peso algum, flutuando num estado de suspensão.
Quando ele a virou nos braços para acomodá-la contra o peito, lembrou do tratamento revoltante e degradante que recebera das mãos do tal Juan, que atirara em Rony. Seus músculos exaustos não conseguiriam se defender de outro ataque como aquele.
Mesmo assim, Hermione tentou.
- Não, por favor - grasnou ela, a garganta ressequida, enquanto fazia força contra o braço. O pequeno impulso de energia logo se esgotou, deixando-a frouxa e subserviente nos braços dele. Não sobrara um só grama de resistência. - Por favor - suplicou Hermione num sussurro - não de novo.
Sem segurá-la, simplesmente sustendo-a com o braço, ele ignorou as súplicas e começou a enrolar a corda que a havia puxado durante as últimas milhas. Quando estava novamente presa à sela, ajeitou a posição de Hermione de tal modo que o ombro dela ficasse sob sua axila esquerda e a cabeça se apoiasse contra a solidez do seu ombro esquerdo.
A mão esquerda segurou as rédeas presas no arção dianteiro da sela, depois se apoiou de leve contra o quadril dela, enquanto instigava o cavalo a andar. Os outros cavaleiros o seguiram, num grupo descontraído. Nessa posição, Hermione não precisava fazer nenhum esforço. Os braços e o peito dele apoiavam na completamente.
Com olhos cansados, fitou o rosto dele por entre a cortina dos cílios. A barba loira por fazer acentuava ainda mais as linhas fortes e poderosas do queixo e do maxilar. Havia um estreitamento cruel na sua boca, rigidamente fechada. Havia, vincos profundos de cada lado da boca. A sugestão de uma elegância aristocrática no nariz repetia-se nas maçãs do rosto salientes, que se erguiam acima das faces encovadas.
Cercados por cílios espessos e espetados, os olhos cinzas e frios moviam-se, incansáveis, pelo terreno por onde os cavaleiros viajavam, numa prontidão alerta, que não deixava transparecer nada dos seus pensamentos íntimos. Sobrancelhas masculamente arqueadas, marcavam o começo da testa, que entrava por baixo do chapéu manchado de pó.
Era um rosto imperioso, agressivamente másculo e com as feições bem marcadas. Chamava a atenção. A sua presença dominaria um grupo mesmo que não falasse uma só palavra, como acontecera quando Hermione imediatamente o destacara dos demais.
Distante e sério, era um homem a ser temido. No entanto, ela estava se apoiando nele confortavelmente, os músculos fortes do seu peito e braço embalando-a. O cheiro másculo e almiscarado lhe atordoava os sentidos. Parecia drogar o seu cérebro fatigado e anular todas as suas defesas. As pálpebras dela se baixaram e fecharam.
Algo tocou-lhe a face. Uma voz baixa, rouca e aveludada murmurava palavras ininteligíveis numa voz de comando. Os cílios estremeceram e se abriram devagar, lutando contra a névoa de sono que nublava a sua visão. Estava se apoiando contra algo duro e inflexível. Ou seria alguém? Fitou uns dedos enluvados que se afastavam do seu rosto. Ao se dar conta de onde estava, o apoio lhe foi retirado. Músculos duros e doloridos reagiam devagar para manter-lhe o equilíbrio enquanto ele desmontava e estendia as mãos para descê-la do cavalo.
Os joelhos de Hermione cederam, mas as mãos na cintura firmaram-na até que suas pernas tivessem condições de sustentá-la. Imediatamente, ele a soltou, e foi tirar a sela do animal. Ainda sem confiar na própria capacidade de caminhar, a castanha olhou ao seu redor.