Hermione apareceu para dar sua aprovação final ao set. Nos fundos do estúdio, serenamente indiferente às pilhas de equipamentos, luzes e sombras, havia o cenário de uma sala de estar aconchegante. Um sofá confortável em tom marrom era iluminado enquanto os técnicos faziam ajustes. Sobre uma mesa ao lado do sofá, um abajur Tiffany aparentemente daria a iluminação suave e sexy que a equipe tentava alcançar. Hermione andou ao redor de cabos e caixas para ver o cenário de um novo ângulo.
De bom gosto, concluiu. E eficaz. DeMarco estava satisfeito com a primeira propaganda. Tão satisfeito, pensou ela com uma careta, que insistira para que sua namorada atual aparecesse naquela. Bem, esse era o show businnes, pensou enquanto consultava o relógio. Gina havia reclamado repetidamente da escalação do elenco. Então, desistira de reclamar, dizendo que pelo menos DeMarco não insistira para que escrevessem um diálogo para a moça.
O segmento do estúdio estava sendo filmado primeiro, apesar de aparecer no final da propaganda. Julgando pelo temperamento de Harry, Gina decidira que provavelmente seria melhor começar pela parte mais difícil, de modo que o resto se tornasse mais fácil para ele. E, refletiu Hermione enquanto olhava para o relógio, a sorte deles continuava. Os Wizards jogariam a World Series na semana seguinte, dando às propagandas um impacto muito maior.
Do lado de fora do estúdio, um longo bufê fora instalado no hall. E.J., o coordenador de produção e o assistente de câmera já se aproveitavam disso. Gina estava no estúdio, comendo um pedaço de queijo enquanto supervisionava os detalhes finais.
— Que coisa, Bigelow, aquela luz está piscando de novo! Troque a lâmpada ou consiga um outro abajur. Silbey, deixe-me ver que tipo de efeito temos com essa nova gelatina.
Obedientemente, ele apertou um botão de modo que a luz filtrasse através da folha colorida e parecesse quente e íntima.
— Certo, nada mal. Som?
A técnica de som andou para baixo do microfone. Com uma expressão inocente, ela começou a recitar uma quadrinha infantil com algumas variações interessantes, fazendo uma reverência ante à salva de palmas.
— Algum problema? — perguntou Hermione, se aproximando e parando ao lado de Gina.
— Resolvemos tudo. E do seu lado?
— Tudo funcionando como deveria. — Distraidamente, ela endireitou a bainha da manga. — Vi de passagem a "senhora DeMarco". Ela é deslumbrante.
— Graças a Deus — Gina falou. — DeMarco vai aparecer?
— Não — Hermione sorriu ante o tom resignado de Gina. Ela detestava parentes, amigos e namorados perambulando pela filmagem. — Diz que Cho alega que ele a deixaria nervosa, mas não deixou dúvida de que ela deve receber um tratamento de rainha.
— Não vou morder — prometeu Gina. — Harry ensaiou as falas comigo. Está bom... se ele não ficar desajeitado diante da câmera.
— Harry não parece ser desajeitado. Gina sorriu.
— Não. E acho que ele está começando a gostar, apesar da relutância.
— Ótimo. Tenho um roteiro que quero que ele leia. — Numa escada acima da cabeça delas, alguém praguejou com irritação. As feições suaves de Hermione não deram qualquer indicação de que ela tivesse ouvido. — Há um papel, um pequeno papel, para o qual acho que Harry é perfeito.
Gina se virou para dar total atenção a Hermione.
— Um filme? Ela assentiu.
— Para a tevê a cabo. Não vamos fechar o elenco antes de um mês ou dois. Portanto, Harry tem muito tempo para pensar sobre isso. Eu gostaria que você lesse também — acrescentou casualmente.
— Claro. — Refletindo sobre a idéia de Harry como ator, Gina virou-se para dar outra instrução a alguém da equipe.
— Talvez você queira dirigir. Gina parou no meio da instrução.
— O quê?!
— Sei que está feliz em dirigir propagandas — continuou Hermione, como se Gina não a estivesse olhando boquiaberta. — Sempre disse que gostava de criar algo rápido e intenso, mas este roteiro pode fazê-la mudar de idéia.
— Hermione. — Gina poderia ter rido se não estivesse atônita. — Nunca dirigi nada mais complexo do que um comercial de sessenta segundos.
— Como o vídeo promocional das séries que estreariam no outono, que você filmou no último verão? Três grandes estrelas da tevê me garantiram que você era uma das melhores com quem já trabalharam — disse, secamente, de modo a mal poder ser considerado um elogio. — Venho querendo colocá-la nisso há muito tempo, mas não queria pressionar. — Hermione lhe deu um tapinha na mão. — Ainda não quero pressionar, apenas leia o roteiro.
Após um momento, Gina assentiu.
— Tudo bem, vou ler.
— Boa menina. Ah, aí está Harry. — Os olhos dela o analizaram com discriminação profissional. — Minha nossa, ele veste as roupas maravilhosamente bem — murmurou.
Parecia que o próprio Harry havia escolhido o suéter de cashmere azul-claro e o jeans azul-acinzentado, vestindo-os de maneira casual. O fato de as roupas lhe caírem perfeitamente não era tão importante quanto o impacto que causavam... o estilo negligente, que não vinha do dinheiro, mas sim de uma classe natural.
Isso ele possuía, pensou Gina. Sob o rosto atraente e corpo atlético, havia uma classe inata em Harry. Algo que nunca poderia ser ensinado. Ele segurava um copo de refrigerante em uma das mãos, olhando sobre a borda enquanto estudava a sala.
Harry achou o lugar apertado e aparentemente desorganizado, mas o pequeno cenário estava ordenado, com um sofá, mesa e abajur. Perguntou-se brevemente como alguém podia trabalhar em meio a tantos cabos enrolados, enormes caixas pretas e diversos tipos de luzes. Então viu Gina. Ela podia, pensou com um sorriso. Simplesmente lidaria com o caos até que conseguisse exatamente o que queria. Podia ter chorado como uma criança em seus braços algumas noites antes, mas, quando estava no trabalho, era forte como uma leoa.
Talvez, refletiu Harry, por isso mesmo tivesse se apaixonado por ela... e talvez por isso mesmo fosse manter esta pequena informação para si mesmo durante um tempo. Se ele quase entrara em pânico quando entendera os próprios sentimentos, Gina sem dúvida entraria. Ela ainda não estava pronta para confiar e se entregar sem restrições.
Gina se aproximou, observando-o com olhos estreitos. Harry pensou, pouco à vontade, que ela era capaz de fazê-lo se sentir como um manequim numa loja de departamentos quando o olhava daquela maneira. Era seu olhar de diretora, avaliando, procurando falhas, ponderando sobre os ângulos.
— E então? — perguntou ele finalmente.
— Você está maravilhoso. — Se Gina tinha notado a leve irritação na voz dele, ignorou. Estendendo uma das mãos, desalinhou-lhe um pouco os cabelos, e estudou o efeito. — Sim, muito bom. Nervoso?
— Não.
O rosto dela se suavizou com um sorriso.
— Não fique tão sério, Harry. Isso não vai ajudá-lo a entrar no clima. Agora... — Unindo o braço ao dele, Gina começou a levá-lo em direção ao cenário.
— Você sabe suas falas, mas teremos colas caso lhe dê um branco. Portanto, não há com o quê se preocupar. O que queremos é aquele tipo de machismo implícito e despreocupado. Lembre-se de que este é o fim do segmento. Na primeira cena, você está de uniforme no campo. Depois vem a cena no vestiário enquanto está trocando de roupa, e então esta. Luzes suaves, uma dose de uísque, uma linda mulher.
— E devo tudo isso a DeMarco — disse ele secamente.
— A mulher, pelo menos — respondeu ela no mesmo tom frio. — É simplesmente uma afirmação de que as roupas combinam com a imagem de um homem. Espera-se que os homens sejam convencidos de que a grife DeMarco é a certa para suas imagens. Sente-se ali. — Gina gesticulou para um dos cantos do sofá. — Fique naquela sua postura preguiçosa quando estiver relaxando. Algo casual, mas não desleixado.
Ele franziu o cenho, irritado por ela poder dissecar cada gesto seu e rotulá-lo.
— Agora?
— Sim, por favor. — Gina deu um passo atrás enquanto Harry se acomodava no sofá. — Isso, bom... ponha o cotovelo um pouquinho mais para trás no braço do sofá. Certo. — Ela sorriu novamente. — É isso que eu quero. Você está ficando bom nisso, Harry.
— Obrigado.
— Vai falar diretamente para a câmera desta vez — avisou Gina, gesticulando atrás de si, onde a câmera estava colocada sobre uma grua. — Fique calmo, relaxe. A garota vai chegar atrás de você, inclinando-se quando lhe entrega o copo de uísque. Não olhe para ela, apenas toque-lhe a mão e continue falando. E sorria — acrescentou, consultando seu relógio. — Onde está a garota?
Naquele momento, Cho entrou, alta e deleitosa, seguida por uma loura deslumbrante e dois homens de terno. Melhor do que na foto que DeMarco enviara, percebeu Gina, e a fotografia já havia sido impressionante. A mulher era jovem, mas não jovem demais. Tinha aproximadamente 25 anos, estimou Gina, olhos grandes cor de ameixa e cabelos negros e brilhantes. O corpo era curvilíneo, marcado por um vestido com um decote tão avantajado que por pouco não fora impedido pela classificação do horário. Ela não passaria despercebida na propaganda, pensou Gina, observando Cho andar pelo estúdio. A paixão vibrava em cada movimento. Desta vez, Gina buscaria a mais pura sensualidade... pelos cinco segundos e meio em que Cho ficaria na tela. Para uma propaganda de trinta segundos, seria mais do que suficiente.
Ignorando os murmúrios de apreciação de sua equipe, Gina aproximou-se para conhecer a namorada do cliente.
— Olá. — Ela estendeu a mão com um sorriso. — Sou Gina Weasley. Vou dirigir você.
— Cho Chang — disse ela numa voz rouca que fez Gina se arrepender instantaneamente de não ter lhe dado falas.
— Estamos muito satisfeitos em tê-la conosco, srta. Chang. Tem alguma pergunta antes de começarmos?
Cho deu um pequeno sorriso.
— Come?
— Se houver alguma coisa que você não entenda... — começou Gina apenas para ser interrompida pela loura.
— A signorina Chang não fala inglês, srta. Weasley — disse ela rapidamente. — Não foi informada?
— Ela não... — Parando, Gina olhou para o teto com uma careta. — Adorável.
— Sou a secretária pessoal do sr. DeMarco. Ficarei feliz em traduzir.
Gina deu um olhar longo e irritado para a loura e se virou.
— Aos seus lugares! — ordenou. — Vai ser um longo dia...
— Um pequeno empecilho? — murmurou Harry quando ela passou por ele.
— Cale a boca e sente-se, Harry.
Segurando um sorriso, ele deu um passo à frente para pegar a mão de Cho.
— Signorina — começou, e chamou a atenção de Gina ao continuar em italiano fluente. Sorrindo, Cho respondeu com animação, gesticulando livremente com sua outra mão.
— Ela está empolgada — comentou Harry, sabendo que Gina parara atrás dele.
— É o que parece.
— Ela sempre quis fazer um filme americano. — Ele falou com Cho novamente, alguma coisa que a fez jogar a cabeça magnífica para trás e gargalhar com vontade. Virando-se, dispensou a loura com um giro do pulso e enganchou o braço no de Harry. Quando eles estavam de frente para ela, o californiano de cabelos negros e a oriental de cabelos negros, Gina ficou impressionada com o contraste perfeito. Aqueles cinco segundos e meio de filme, pensou, iriam crepitar como uma floresta em chamas... e fazer um senhor merchandising para DeMarco.
— Você parece falar italiano bem o bastante para ajudá-la — comentou Gina.
— Aparentemente. — Ele sorriu de novo, notando que Gina não estava com ciúme, mas apreciando, como se ele e Cho já estivessem em cena. — Ela gostaria que eu traduzisse.
— Tudo bem, diga-lhe que vamos ensaiar uma vez para lhe mostrar o que ela precisa fazer. Ajustem as luzes! — Indo para o cenário, Gina esperou impacientemente que Cho e Harry a seguissem, enquanto ele traduzia as instruções de Gina. — Sente-se, Harry, e diga a ela para observar com atenção. Vou começar com você. — Harry se acomodou no sofá como foi instruído. — Faça tudo como se a câmera já estivesse rodando.
Ele começou, falando com facilidade, como se estivesse conversando com amigos em uma visita. Perfeito, pensou Gina quando pegou o copo de uísque e andou para a câmera atrás do sofá. Inclinou-se para a frente, colocando o rosto perto do dele enquanto lhe oferecia o drinque. Sem olhar para a câmera, Harry aceitou, erguendo os dedos da outra mão para deslizar pelo dorso da de Gina quando ela a colocou sobre seu ombro. Gina endireitou o corpo devagar, saindo do alcance da câmera enquanto ele terminava a fala.
— Agora, pergunte a ela se entendeu o que precisa fazer — ordenou Gina.
Cho levantou a mão com elegância à pergunta de Harry, silenciosamente comunicando: "E claro".
— Vamos tentar uma vez. — Gina foi para trás de E.J. e dos assistentes que moveriam a grua para os closes. — Silêncio! — exigiu, efetivamente interrompendo alguns murmúrios discretos. — Rodando... — a claquete foi exibida: Harry Potter para DeMarco, cena três, tomada um. Ela estreitou os olhos para Harry. — Ação.
Ele foi bem o bastante na primeira tomada, mas Gina achou que Harry ainda não se aquecera para aquilo. Cho seguiu as instruções, levando o copo, inclinando-se sobre ele sugestivamente. Então... olhou para cima enquanto a câmera rodava.
— Corta! Harry, explique a Cho que não pode olhar para a câmera, por favor. — Ela sorriu para a mulher, esperando comunicar paciência e compreensão. Precisou muito das duas coisas quando chegaram à quinta tomada. Em vez de se tornar mais acostumada à câmera, Cho parecia cada vez mais nervosa. — Cinco minutos de intervalo — anunciou Gina. As luzes foram apagadas, e a equipe começou a se dirigir ao bufê. Com outro sorriso, Gina gesticulou para Cho se juntar a ela e Harry no sofá. — Harry, diga-lhe que só precisa ser natural. Ela é linda, e os poucos segundos em que vai aparecer no filme causarão um impacto tremendo.
Cho ouviu com as sobrancelhas unidas, então sorriu para Gina.
— Grazie. — Pegando a mão de Harry, ela começou um longo discurso emocional, desculpando-se por sua falta de jeito e requisitando por alguma coisa gelada para acalmar os nervos.
— Tragam um suco de laranja para a signorina Chang — exigiu Gina. — Diga-lhe que não é desajeitada de maneira alguma — continuou diplomaticamente. — Ah, peça-lhe que imagine que vocês são amantes, e que, quando a câmera desligar...
— Já entendi — disse Harry com um sorriso. Quando falou com Cho novamente, ela riu, então meneou a cabeça antes de responder. — Ela falou que vai tentar imaginar isso — Harry traduziu para Gina —, mas, se imaginar bem demais, Carlo cortará a minha cabeça...
— Temos de nos sacrificar pela nossa arte — replicou Gina secamente. — Harry, ajudaria se você colocasse um pouco mais de tempero nisso.
— Tempero? — repetiu ele, arqueando uma sobrancelha.
— Um homem que não se sente excitado com uma mulher como ela se insinuando sobre seu ombro precisa de uma transfusão. — Levantando-se, Gina bateu-lhe no ombro. — Veja o que pode fazer.
— Qualquer coisa pela arte — respondeu ele com um sorriso irônico.
Quando EJ. se posicionou atrás da câmera novamente, Gina foi para trás dele.
— Vamos ver se conseguimos uma cena boa desta vez — murmurou ela.
— Chefe, posso fazer isso o dia todo. — Ele focou em Cho e suspirou. — Acho que morri e fui para o paraíso.
— DeMarco vai cuidar disso se você não tomar cuidado. Posições!
Melhor, pensou ela. Sim, definitivamente melhor quando eles completaram a sexta tomada. Mas não perfeita. Ela instruiu Harry para pedir que Cho desse à câmera um olhar lânguido antes de sorrir de maneira sedutora para ele. A instrução perdeu alguma coisa na interpretação.
— Corta! Peça-lhe para ficar ao lado da câmera e observar novamente. — Gina assumiu o lugar de Cho, movendo-se para trás de Harry enquanto ele falava, pegando o copo de chá morno que imitava uísque. Desta vez, quando Harry pegou o copo, levou a outra mão dela para seus lábios, pressionando ali um beijo suave sem quebrar o ritmo do diálogo. Gina sentiu um arrepio subindo por seu braço e esqueceu de se afastar.
— Apenas me pareceu natural — justificou Harry, entrelaçando os dedos com os dela.
Gina pigarreou, ciente de que a equipe observava com vívido interesse.
— Tente assim, então — murmurou ela de modo casual. Voltou para E.J., mas, quando se virou, os olhos de Harry ainda estavam sobre ela. Gina meneou a cabeça em frustração. Conhecia aquele olhar. Lentamente, o significado claro como cristal, Harry sorriu.
— Posições! — ordenou ela em sua própria defesa.
Foram necessárias mais três tomadas antes que Gina conseguisse o que queria. Satisfeita consigo mesma, Cho deu dois beijos exuberantes em Harry, um em cada face, então se aproximou de Gina e murmurou alguma coisa. Olhando para Harry, Gina viu aquele olhar divertido e aparentemente inocente no rosto dele.
— Apenas agradeça — aconselhou ele.
— Obrigada — Gina falou com obediência quando Cho lhe pegou a mão e apertou-a, antes de partir com seus companheiros. — Pelo que eu estava agradecendo? — perguntou, usando a manga da camisa para secar o suor da testa.
— Ela estava elogiando seu gosto.
— Oh?
— Falou que seu namorado é magnífico. Abaixando o braço, Gina o olhou.
— Verdade? — perguntou friamente.
Harry sorriu, deu de ombros de maneira apologética, então saiu para ver se restara alguma coisa no bufê.
Com as mãos nos quadris, Gina o olhou se afastando. Não lhe daria a satisfação de deixar seu próprio sorriso escapar.
— Locação em uma hora! — ordenou.
Gina estivera certa em pensar que a breve terceira cena do comercial seria a mais difícil de filmar. Filmou a segunda a seguir, levando luzes, equipamentos e equipe para o vestiário dos Wizards. Hermione conseguira, com um pouco de negociação, alguns dos melhores jogadores do time de Harry para fazer figuração. Uma vez que Gina conseguiu fazê-los ficar quietos de modo que parassem de acenar para câmera ou fazer anúncios fictícios ao microfone, o trabalho começou a funcionar. E funcionar bem.
Por causa da relativa facilidade com que cada segmento progredia, Gina achou sua dor de cabeça crescente inexplicável. Verdade, o vestiário estava barulhento entre as tomadas e, após a primeira hora de muitos corpos sob luzes quentes, cheirava como um vestiário, mas aquela dor de cabeça era pura tensão.
No começo, ela simplesmente a ignorou. Então, quando isso se tornou impossível, começou a ficar irritada consigo mesma. Não havia motivo para ficar tensa. Harry seguia bem as ordens, puxando o suéter de cashmere sobre o peito nu para cada tomada. E cada vez que ele lhe sorria, Gina sentia a dor de cabeça aumentar.
No momento em que a equipe se preparava para a cena no campo de beisebol, ela se convencera de que tudo estava sob controle. Era somente uma dor irritante, algo que resolveria com duas aspirinas quando chegasse em casa. Enquanto observava o técnico de som trabalhar em um microfone, sentiu um braço musculoso deslizar por seus ombros.
— Olá! — Snyder lhe sorriu, conseguindo um sorriso automático em resposta. Ele era, pensou ela, tão perigoso quanto um cocker spaniel.
— Pronto para a próxima cena, George? Você foi muito bem antes. É claro, não estará na câmera desta vez.
— Sim. Quero mencionar que você está cometendo um grande erro usando Harry. Muito magro. — Ele flexionou um braço musculoso.
Gina assentiu em aprovação.
— Lamento, mas não tenho nada a ver com a escolha do elenco.
— Uma pena. Ei, agora que sou um astro, você vai me buscar no aeroporto?
— Esqueça, Snyder. — Antes que Gina pudesse responder, Kinjinsky se aproximou, um boné em uma das mãos, um taco na outra. — Ela está fora de sua liga. — Ele sorriu para Gina, gesticulando a cabeça para o atleta de seu time. — Snyder é especialista em dançarinas do ventre.
— Mentira. — Snyder parecia um coroinha superdesenvolvido. — Tudo mentira.
— Quando minha filha crescer — disse Kinjinsky suavemente — vou dar conselhos a respeito de homens como ele. — Andando para a base, jogou a bola no ar e a rebateu para o campo central.
— Kinjinsky é o melhor do time com os bastões de treino — murmurou Snyder para Gina. — Uma pena que tenha tantos problemas com uma bola arremessada para valer.
— Pelo menos eu consigo correr da primeira à segunda base em menos de dois minutos e meio — devolveu Kinjinsky.
Snyder, muito acostumado às zombarias de seu corredor de base, fingiu um olhar ofendido.
— Tenho um problema anatômico genético — explicou para Gina.
— Oh... — Entrando na brincadeira, ela pareceu solidária. — É uma pena.
— É. Se chama pé-de-chumbo — comentou Harry, chegando atrás dele.
Ouvir a voz de Harry fez a dor de cabeça que Gina quase esquecera piorar de novo. Virou-se para encontrá-lo observando-a com seus colegas de time com um sorriso preguiçosamente divertido. Harry estava de uniforme completo, o branco reluzente que realçava a pele dourada. O boné azul-marinho sombreava-lhe os olhos, dando-lhe uma aparência arrogante. De maneira possessiva, estudou-a com cuidado. Desta vez, Gina sentiu um friozinho na barriga, além de um nó na garganta.
— Só estou entretendo sua mulher — disse Snyder genialmente.
— Gina é dona de si mesma. — Mas havia alguma coisa inconfundivelmente possessiva na frase.
Ouvindo aquilo, Snyder percebeu que havia algo mais profundo ali do que imaginara. Então o raio finalmente atingira o homem de gelo, pensou. Snyder possuía o talento para provocar sem piedade, e a natureza de um homem que cuidava de passarinhos com a asa quebrada.
— Quando ela perceber o quanto fico bem na câmera, você vai perder seu trabalho.
— DeMarco não tem nenhuma linha de produtos para lutadores de sumo — replicou Harry.
— Cavalheiros — Gina falou, interrompendo-os. — A equipe está pronta. George, se você puder assumir seu lugar na primeira base para dar a Harry seu alvo...
— Ai! — Ele recuou. — Tente não tomar isso ao pé da letra, Potter. Não quero estar na lista dos incapacitados na próxima semana.
— Microfone! — Gina se aproximou de Kinjinsky. —Acerte as bolas para Harry... Mas não facilite muito para ele, quero ver um pouco de esforço.
Com um sorriso, Kinjinsky jogou outra bola para o alto.
— Verei o que posso fazer. Assentindo, ela andou em direção à equipe.
— Posições! Harry, alguma pergunta?
— Acho que posso lidar com isso. — Ele foi para a terceira base, automaticamente levantando um pouco de terra com o tênis.
Ela olhou através das lentes, sentindo o coração acelerar mais uma vez quando focou em Harry. Inclinando o corpo sobre um dos quadris, ele lhe sorriu, Gina se afastou, gesticulando para E.J.
— Ei, chefe, você está bem?
— Sim, estou bem. Rode o filme.
Foi perfeito. Gina sabia que podia usar a primeira tomada sem problemas, mas optou por mais duas. Ambas foram ótimas. Kinjinsky bateu a bola para Harry com força suficiente para fazê-lo saltar antes de arremessar para Snyder na primeira base.
— E a vencedora é a terceira tomada — anunciou E.J. quando Gina declarou a sessão encerrada.
— Sim. — Inconscientemente, ela levou a mão à nuca.
— Ele não deveria nem ter conseguido pegar a bola — continuou E.J., observando Gina enquanto começava a guardar seu equipamento.
— Ele parece ser bom em fazer o impossível — murmurou ela.
— Dor de cabeça?
— O quê?! — Olhando para baixo, ela encarou E.J. que a estudava intensamente. — Não é nada. — Irritada, abaixou a mão. Harry já estava conversando no montículo com seus dois companheiros de equipe. Tinha a mão enluvada sobre o quadril, rindo do mais novo conceito de Snyder para uma peça a pregar no time. — Não é nada — repetiu num murmúrio, pegando um dos refrigerantes da geladeira portátil.
Não podia ser nada, disse a si mesma quando abriu a garrafa e bebeu um gole prolongado. O que quer que estivesse acontecendo com seu corpo era apenas fruto da fadiga após um longo dia de trabalho. Precisava de aspirina, uma refeição decente e oito horas de sono. Precisava ficar longe de Harry.
No instante em que o pensamento apareceu, ela ficou furiosa. Ele não tem nada a ver com isso, disse a si mesma com fervor. Estou cansada, tenho trabalhado muito, eu... Notando o olhar especulativo de E.J., Gina piscou.
— Você poderia ir embora logo? Ele deu um sorriso amplo.
— Estou indo. Vou deixar o filme na edição. Assentindo com um breve movimento de cabeça,
Gina foi até o montículo a fim de agradecer a Snyder e Kinjinsky. Ouviu parte da idéia de Snyder, algo sobre sapos na área de aquecimento, antes que Harry se voltasse para ela.
— Como foi?
— Muito bom. — Um calor percorria sua pele agora, físico, tangível. Ela deu sua atenção aos outros atletas. — Quero agradecer a vocês dois. Sem a ajuda de vocês, a filmagem não teria corrido tão tranqüilamente.
Snyder apoiou o cotovelo no ombro de Kinjinsky.
— Apenas se lembre de mim quando quiser algo mais do que um rostinho bonito em um desses comerciais.
— Tudo bem, George.
Harry esperou o resto da conversa transcorrer, adicionando comentários com facilidade, embora sua concentração estivesse toda em Gina. Esperou até que os jogadores se despedissem e fossem para o vestiário para segurar o queixo de Gina. De perto, com paciência, examinou-a.
— O que há de errado?
Ela deu um passo atrás, para interromper o toque.
— Por que algo deveria estar errado? — perguntou. O toque dele a deixara nervosa e fizera sua cabeça pulsar. — Deu tudo certo. Acho que você vai ficar satisfeito quando o filme estiver editado. Com as duas propagandas no ar durante a World Series, não filmaremos mais até novembro. — Virando-se, notou que a maior parte dos membros da equipe já havia partido. Descobriu que queria estar longe antes que ela e Harry ficassem completamente sozinhos. — Tenho algumas coisas para fazer no escritório, então...
— Gina — ele a interrompeu —, por que você está aborrecida?
— Eu não estou aborrecida! — Reprimindo a fúria, voltou-se para ele. — Foi um longo dia, estou cansada. Isso é tudo.
Lentamente, Harry meneou a cabeça.
— Tente de novo.
— Deixe-me em paz — exclamou Gina numa voz baixa e trêmula, que informou a ambos quão perto ela estava de uma crise nervosa. — Só me deixe em paz.
Deixando a luva cair no chão, ele lhe segurou ambos os braços.
— Sem chance. Podemos conversar aqui, ou podemos ir para sua casa e discutir o assunto. Você escolhe.
Ela se afastou.
— Não há nada a discutir.
— Tudo bem. Então vamos jantar e ver um filme.
— Eu lhe disse que tenho trabalho a fazer.
— Sim. — Harry assentiu vagarosamente. — Você mentiu.
Uma raiva aguda preencheu os olhos de Gina.
— Não preciso mentir, tudo que tenho de fazer é lhe dizer não.
— Verdade — concordou ele, controlando seu temperamento. — Por que está zangada comigo? — A voz era calma, paciente. Os olhos não. O sol batia contra eles, acentuando a sexualidade feroz.
— Não estou zangada com você! — ela quase gritou.
— As pessoas geralmente gritam quando estão zangadas.
— Eu não estou gritando — declarou Gina, aumentando ainda mais o tom de voz.
Curiosamente, Harry inclinou a cabeça.
— Não? Então o que está fazendo?
— Tenho medo de estar me apaixonando por você. — A expressão de Gina se tornou cômicamente surpresa depois que as palavras saíram. Olhou-o incrédula, então cobriu a boca com uma das mãos como se pudesse apagar as palavras.
— Ah, é? — Ele não sorriu ao dar outro passo em direção a ela. Nem em finais de campeonato se lembrava de ter ficado tão ansioso, mas, com o máximo de seu autocontrole, não deixou transparecer. — Isso é verdade?
— Não, eu... — Em defesa, ela olhou ao redor... apenas para descobrir que estava sozinha com ele. Sozinha no território de Harry. As arquibancadas se erguiam como muralhas para enclausurá-los no campo de grama e terra. Gina saiu do montículo. — Não quero ficar aqui.
Harry meramente acertou seu passo com o dela.
— Por que o medo, Gina? — Ele ergueu uma das mãos para o rosto dela, fazendo-a parar. — Por que uma mulher como você teria medo de se apaixonar?
— Eu sei o que acontece — disse Gina, com olhos escuros subitamente tempestuosos em contraste com a voz trêmula.
— Certo. Por que não me conta?
— Eu vou parar de pensar. Vou parar de ser cuidadosa. — Ela deslizou a mão agitada pelos cabelos. — Vou me doar até perder a razão, e, quando acabar, não me restará nada. É sempre assim — sussurrou, pensando em todos os seus pais transitórios, pensando em Draco. — Não vou permitir que isso aconteça de novo. Não posso me envolver com você por diversão, Harry. Isso simplesmente não está funcionando. — Sem noção de rumo, Gina se virara e começara a andar rumo à terceira base. Harry sentiu o calor de seu pingente de ouro contra o peito e resolveu que aquilo era o destino. Sem pressa, seguiu-a. A terceira base era seu reino pessoal.
— Você está envolvida comigo, esteja se divertindo com isso ou não.
Ela lhe lançou um olhar penetrante. Aquele não era o homem calmo e sereno, mas o guerreiro. Gina endireitou os ombros.
— Isso pode ser remediado.
— Tente — desafiou ele, calmamente segurando sua camisa na mão e puxando-a para si.
Gina inclinou a cabeça para trás, furiosa, e talvez mais assustada do que jamais se sentira na vida.
— Não vou continuar saindo com você. Se não pode trabalhar comigo, resolva isso com Hermione.
— Oh, eu posso trabalhar com você — murmurou ele suavemente. — Até posso mesmo aceitar ordens suas sem grandes problemas, porque você é excelente no que faz. Já lhe falei uma vez que seguiria suas regras enquanto a câmera estivesse ligada. — Harry olhou ao redor, silenciosamente declarando que não havia câmera desta vez. — É difícil combater um homem em seu próprio terreno, Gina, especialmente um homem que está acostumado a vencer.
— Eu não sou um troféu, Harry — disse ela com surpreendente firmeza.
— Não. — Com uma das mãos ainda lhe segurando a camisa, ele tocou gentilmente o rosto de Gina com a outra. — Troféus são conquistados por um time. Uma mulher é uma proposta particular. Intervalo da sétima entrada, Gina. Hora de respirar rapidamente antes que o jogo recomece. — A mão em seu rosto desceu para lhe segurar o pescoço. Ela se perguntou se ele podia sentir sua pulsação loucamente acelerada. Então, Harry sorriu, aquele sorriso longo e perigoso que sempre a seduzia. — Eu estou apaixonado por você.
Ele falou tão calmamente, com tanta simplicidade, que Gina levou um momento para entender. Cada músculo de seu corpo enrijeceu.
— Não faça isso.
Harry arqueou uma sobrancelha.
— Não me apaixonar ou não contar?
— Pare. — Ela pôs as mãos no peito dele numa tentativa de empurrá-lo. — Isso não é brincadeira.
— Não, não é. Do que tem mais medo? — perguntou ele, estudando-lhe o rosto pálido. — De amar ou de ser amada?
Gina meneou a cabeça. Tomara tanto cuidado para não cruzar aquela linha tênue, tanto cuidado para impedir que qualquer um a cruzasse. Hermione fizera aquilo, e E.J., percebeu. Amava os dois. Mas era um tipo inteiramente diferente de amor. Aquilo a apavorava, a petrificava.
— Você poderia me perguntar quando aconteceu. Eu não saberia responder — continuou Harry, massageando os músculos tensos do pescoço de Gina. — Não houve um aviso, nem sinos ou violinos tocando. Nem mesmo posso dizer que fui pego de surpresa porque notei que estava acontecendo. Não tentei fugir ou evitar, também. — Meneou a cabeça antes de levar os lábios aos dela. — Você não pode fazer isso desaparecer, Gina.
O beijo a abalou até a alma. Foi forte, poderoso e exigente, sem o menor indício de urgência. Era como se Harry soubesse que ela não podia ir a lugar algum. Podia lutar contra ele, pensou Gina. Ainda podia lutar contra ele. Mas a tensão se esvaía de seu corpo, preenchendo-a com uma sensação de liberdade que pensara jamais ser possível alcançar. Alguém a amava.
Sentindo a mudança, Harry se afastou. Não a ganharia com paixão. Suas necessidades eram profundas demais para se contentar com isso. E então os braços de Gina o envolveram, o rosto pressionado contra seu peito num gesto não de desejo, mas de confiança. Quem sabe o início da verdadeira confiança.
— Fale — murmurou ela. — Só diga.
Harry a abraçou apertado, acariciando-lhe os cabelos, enquanto uma brisa soprava no estádio vazio.
— Eu amo você.
Com um suspiro, Gina ergueu a cabeça e segurou-lhe o rosto nas mãos.
— Eu amo você, Harry — murmurou antes de tomar-lhe os lábios nos seus.