Como nos demais, havia uma sombra escura nas faces e queixo, que indicava que não se barbeara recentemente. Dava-lhe uma aparência desleixada e vagamente não respeitável. Mas esse homem não tinha o rosto largo e chato que indicava a origem mexicano-índia dos demais. As feições eram angulares e magras. E os olhos vítreos que a fitavam eram duros e frios.
- Que merda! Deve haver algum mecânico por aqui! - explodiu Rony, perdendo a paciência pela sua incapacidade de comunicar-se com o mexicano.
- Mecânico? Si, si.
O homem sacudiu a cabeça, compreendendo repentinamente, soltou um palavrório em espanhol enquanto apontava para a direção de onde tinham vindo.
- Agora, sim, estamos chegando a um acordo - murmurou o ruivo, sombriamente.
Uma rajada de vento jogou mechas lustrosas do cabelo castanhos no rosto de Hermione. Ela levantou a mão para puxá-los para trás da orelha, sem se dar conta de que o gesto repuxava o tecido de seda da blusa sobre os seios. O olhar foi atraído novamente para o cavaleiro moreno.
- Quer ir no seu cavalo buscar o mecânico? - Rony fez a pergunta com a ajuda de mímica. - Eu lhe pagarei pelo incomodo. Pagar... entendeu? Pesos. Muitos pesos. Não vai me dizer que não sabe o que são pesos! - acrescentou cinicamente.
- Pesos? Si, si.
O homem lhe assegurou que entendera, e esperou.
- Quanto quer? - perguntou Ronald, enfiando a mão no bolso das calças. - Cinqüenta pesos?
Quando tirou do bolso o maço de notas que Hermione lhe dera, ela ficou inteiramente gelada. Teve vontade de gritar com Ronald pela sua burrice em mostrar todo aquele dinheiro para o homem, mas nada conseguiu desfazer o nó que se formara na sua garganta. O mexicano riu com alegria indisfarçada, deixando ver dentes lascados e amarelados, e disse algo para os outros.
Ela não podia acreditar que Rony não estivesse sentindo a mudança sutil na atmosfera... aquela sensação carregada no ar que precede uma violenta tempestade. A castanha fitou os cavaleiros, notando os leves sorrisos que apareceram quando do comunicado do seu compatriota. Apenas aquele cavaleiro que a atraía pareceu não se sensibilizar com a notícia. Cada músculo do corpo dela estava retesado para a fuga.
- Cinqüenta pesos não chegam, hein! - resmungou Rony, baixinho. - Filho da puta ganancioso. - E começou a tirar mais notas. - Que tal cem pesos! Isso o persuade?
Hermione tinha vontade de rir histericamente do marido. O desejo obcecado de mostrar como era rico deixava-o cego à situação, e ela não conseguia forçar as palavras a saírem da boca para adverti-lo. A cena toda caminhava para um clímax, e ela estava impo tente para impedi-lo.
A mão esquerda do mexicano saiu das dobras do poncho e estendeu-se para o dinheiro.
- Descobri o seu preço, não foi? - declarou Ronald, e começou a separar algumas notas do maço.
O homem não esperou que lhe desse o dinheiro. Ao invés disso, a mão se fechou sobre a quantia toda. Rony percebeu, tarde demais, o perigo que Hermione pressentira desde o começo. Praguejando, meteu a mão sob o paletó para pegar o revólver.
Quando o cano da arma apareceu na mão dele, os olhos horrorizados de Hermione viram a boca da arma do mexicano surgir do lado direito do seu poncho. Seguiu-se uma explosão ensurdecedora. Quando os olhos dela voltaram a entrar em foco, Ronald caía ao chão, o revólver escorregando dos seus dedos.
"Seu idiota cretino". pensou Hermione.
Quis correr para junto dele, mas o mexicano já estava se ajoelhando ao seu lado, arrancando o maço de notas dos dedos fortemente cerrados.
A castanha deu um passo incerto na direção do marido, fitando o pequeno buraco vermelho no seu peito. Não havia nenhum esguicho de sangue como vira no cinema... apenas um buraquinho mortal e uma mancha escarlate que se espalhava lentamente, indicando a ferida fatal.
O ruído das patas dos cavalos e do couro das selas penetrou na névoa atordoada da sua mente. O cheiro de pêlo de cavalo misturava-se ao cheiro acre da pólvora. Enquanto seu olhar se expandia para abranger a cena para além do corpo imóvel de Rony, Hermione percebeu que o bando de cavaleiros se acercara. Dois deles haviam desmontado para se unir ao homem que revistava os bolsos de ruivo.
O olhar dela correu pelo grupo ameaçador. Seu coração parou de bater por um segundo, depois disparou alucinado de medo. Todos a fitavam. Hermione grudou-se à porta do carro.
Mais dois cavaleiros desmontaram e começaram a caminhar em sua direção. Não havia para onde correr. Já tinham matado Ronald, e ela sabia que não podia esperar misericórdia, certamente nenhuma, antes que a matassem também.
Sobreviver! A palavra gritava em suas veias. Sobreviver! As batidas apavoradas do seu coração diminuíram instantaneamente, e a mão de ferro que apertava a sua garganta foi removida. Precisava sobreviver.