Gina continuava refletindo enquanto se vestia para o ensaio e o jantar. Agora que sabia toda a verdade, tentaria colaborar com a farsa dos noivos. Ou não?
Era horrível descobrir que as duas coisas que mais valorizava, o bem-estar dos amigos e sua honestidade básica, estavam em extremos opostos de um conflito. Devia aceitar as circunstâncias e mentir? Ou seria melhor contar a verdade e pôr em risco a companhia e a segurança dos amigos e empregados? Era uma escolha impossível.
Continuou ponderando as opções enquanto colocava o vestido que escolhera para aquela noite, um dos itens mais interessantes do catálogo, uma túnica longa e justa de veludo vermelho com aberturas laterais. O que tornava a peça única e exclusiva era o desenho pintado a mão na frente do vestido.
Simples, ousado e divertido. Essas eram as características que mais amava na Figo de Veludo. E deviam ser suficientes para fazê-la sentir melhor sobre o que estava sacrificando pela empresa, mas a verdade era que continuava deprimida e tensa.
Os olhos haviam voltado ao normal, os cabelos curtos e ondulados eram fáceis de ajeitar com os dedos, e sabia que sua aparência era a melhor possível. Mas a certeza de nada adiantava.
Apática, calçou os sapatos forrados de veludo idêntico ao do vestido, e depois vasculhou uma das caixas em busca de uma bolsa bordada e um par de brincos para completar o conjunto. Humm... Os brincos que queria não estavam lá. A bolsa sim, mas outra de cor diferente havia desaparecido. Curiosa, Gina examinou o restante da caixa, concluindo que vários itens sumiram.
— Lilá e Viv não teriam levado tantas coisas sem me consultar — deduziu. Além do mais, elas nem abriram aquela caixa no dia de sua chegada.
Teria sido Zurik, ou Storm? Ou existia mesmo um ladrão infiltrado entre os convidados do casamento do milênio, como Winnie sugerira?
Era tudo de que precisava... mais uma preocupação. Por outro lado, não pensava em Harry e em seus problemas afetivos há mais de três minutos, e havia algo a ser dito sobre a capacidade de esquecer um problema.
Saiu do banheiro social da suíte e encontrou Zurik e Storm esperando por ela na sala. Sabia que aquela era uma idéia maluca, mas a única que cobria todas as bases. Como Luna apontara, se Gina comparecesse ao jantar entre os dois homens, todos que acreditavam que era noiva de um deles ficariam satisfeitos.
Exceto Nana, é claro, para quem Gina estava envolvida com Harry. Mas não havia nada que pudesse fazer quanto a isso. Depois de tudo que acontecera não esperava que Harry voltasse sequer a falar com ela. Tentou endurecer o coração contra a possibilidade.
Zurik e Storm deixaram o sofá para cumprimentá-la, e Gina pôde constatar que ambos estavam apresentáveis, cada um a seu modo. Storm usava meio-smoking e gravata borboleta, um traje que realçava o corpo musculoso e perfeito, mas parecia formal demais para a ocasião. Zurik se mostrava rabugento, mas pelo menos estava limpo na camiseta branca e larga que vestira sobre a calça preta e justa.
Ainda usava o brinco, e os cabelos se mantinham em pé como os tufos de um de seus pincéis. A boca permanecia apertada naquela eterna careta de desagrado. Na verdade, ficara surpresa quando ele concordara com tudo aquilo, mas como Luna apontara, o pintor teria uma refeição gratuita e uma recompensa em dinheiro, caso não arruinasse a cena. Por isso ele estava aborrecido, mas disposto a participar da farsa.
Gina olhou para os dois. De um lado o Garoto Smoking, do outro o Artista Rabugento. Oh, sim. Entrar no restaurante acompanhada por aqueles dois não causaria surpresa.
Luna, exuberante em um vestido de chiffon de seda cor-de-rosa e num de seus costumeiros chapéus, deixou a suíte em companhia do trio. Ela seria a camuflagem para o fato de Gina ter dois acompanhantes.
— Duvido que consiga chegar ao fim disso — comentou, sentindo que o nervosismo provocava um incomodo aperto do estômago. — Como acha que poderei comer e equilibrar dois homens ao mesmo tempo? Duvido que seja possível.
Sem prejudicar o grande sorriso que ensaiara para a entrada triunfal, Luna respondeu:
— Já tive dois acompanhantes e nem eles mesmos perceberam. Se eu consegui, você também vai conseguir. Afinal, nós duas sabemos que é muito mais esperta que eu. E se alguma coisa falhar, vá para o banheiro do outro lado do saguão. Assim levará mais tempo para voltar.
— Não tenho coragem para encarar toda aquela gente!
— É claro que tem. Já os encarou antes.
— Sim, mas ainda não sabia o que eles pensavam a meu respeito.
Storm inclinou-se sobre a irmã.
— Do que estão falando? E qual é meu papel na cena?
— Seu papel é agir como um ser humano normal — Gina disparou irritada.
— E mantenha-se longe de Viv Potter! — acrescentou Luna.
— Por que estão discutindo? — Zurik indagou. — Ainda não consegui entender o que estou fazendo aqui. Odeio esses rituais burgueses de acasalamento.
— Você tem de estar aqui porque nós estamos mandando — disparou Luna com tom impaciente. — E porque também estamos pagando a conta.
Zurik sorriu e lançou um olhar sensual em sua direção.
— Adoro mulheres dominadoras.
— Ótimo. Prepare-se para ser dominado. — Havia um sorriso furtivo dançando nos lábios de Luna, e Gina não gostava nada daquilo.
Mas não tinha tempo para ocupar-se com isso, já que estavam chegando ao local onde aconteceria o ensaio, e outros convidados aguardavam a chegada do cortejo nupcial. Com toda a sutileza de que era capaz, consultou o pedaço de papel que escondera na palma da mão.
Viv e Lilá: Zurik.
Budge, Genevieve e Winnie: Storm.
Nana: Harry.
Harry: ?...
Estava tentando ler as letras pequeninas.
— Algo interessante aí? — perguntou uma voz profunda a seu lado.
Gina ergueu os ombros e escondeu a mão fechada às costas.
— Olá, Harry. Como vai?
Olhou para o rosto encantador e tentou lembrar-se por que tinha de manter aquela farsa sobre o noivo. Era difícil. Ao contrário de seus dois acompanhantes, Harry vestia-se com elegância apropriada para a ocasião. De terno escuro e gravata simples, não era excêntrico, exagerado ou qualquer outra coisa além de perfeito.
— Sente-se bem? — persistiu. — Não machucou o joelho ao cair no lago, não é? Fiquei preocupada. Se precisar de ajuda, será um prazer levá-lo ao hospital mais próximo.
— Obrigado, mas não será necessário. Estou muito bem. — E parou, olhando para os dois rapazes que a acompanhavam. — E você? Decidiu montar um pacote para esta noite?
— Assim é mais seguro — respondeu. Diferente de conversar com ele, um perigo incontestável.
— Entendo. — Mas parecia muito intrigado quando ela seguiu em frente e foi juntar-se aos outros no altar improvisado.
Depois do ensaio, Genevieve passou uma hora recriminando o atraso de Bianca. Mas graças à jovem loura, Gina pode dispor de algum tempo para estudar seu papel. E mesmo assim, estava certa de que o plano só as levaria ao fracasso.
Odette era um local interessante, decorado basicamente em preto e branco com uma atmosfera clássica, elegante. Gina pensou no que sabia sobre a história da dança e lembrou que o nome Odette fora dado a um cisne em um famoso balé. Embora os cisnes que ocupavam todos os recantos do hotel também fizessem parte da decoração, o efeito era sutil, contribuindo para o requinte dos espaços amplos e arejados. Os quadros nas paredes retratavam bailarinas em trajes tradicionais.
Naquela noite, as mesas haviam sido cobertas com o mais fino linho branco e decoradas com vasos de rosas cor de malva. Alguém as arranjara de forma a imitar o desenho de um U, porque assim todos os convidados poderiam conversar e chegar com facilidade ao bufe instalado em uma das laterais da sala retangular. A julgar pelo número de assentos, cerca de quarenta pessoas eram esperadas para o jantar, a maioria composta por desconhecidos, o que causou um certo alívio.
Gina sentou-se entre Zurik e Storm, encolhendo-se na cadeira para que ninguém pudesse vê-la. Os noivos e seus pais estavam alinhados na mesa central como no quadro A Ultima Ceia, e nenhum deles parecia feliz.
Genevieve e o marido Lee ocupavam uma ponta, e o frio que emanava do casal era suficiente para afugentar pingüins. Ansiosa, Genevieve fazia sinais para o garçom pedindo novos coquetéis, e engolia pequenas pílulas como se não houvesse amanhã.
Budge, Rhonda-Wanda-Brenda e a pequena Fawn instalaram-se no extremo oposto da mesa, mas Fawn e Lambie pareciam mais interessados no que acontecia embaixo dela, e Brenda-Wanda-Rhonda estava quase histérica tentando arrancar a filha de lá, enquanto Budge simplesmente ignorava a cena.
Viv Potter estava do outro lado de Budge, tão aborrecida que parecia cochilar, embora tivesse acenado com entusiasmo para Storm ao vê-los entrar.
Assim que todos os convidados acomodaram-se, Budge levantou-se, removeu o cigarro da boca e tossiu alto.
— Sejam bem-vindos, amigos, parentes e o restante de vocês. Esta noite corre por minha conta, portanto, comam bastante. — E sentou-se novamente, enquanto as pessoas deixavam as cadeiras para se dirigirem ao bufe. Garçons circulavam com bandejas repletas de taças de champanhe.
Sob a proteção da intensa movimentação, Gina olhou para o casal no centro da mesa. E engoliu em seco.
Dino era lindo. Não havia outra palavra para descrevê-lo. Com seus traços clássicos e aquele charme polido, era único e especial. Se ao menos não franzisse a testa daquele jeito... O ar preocupado prejudicava o conjunto. — Também estaria aborrecida se fosse obrigada a jantar ao lado de Cho — resmungou para si mesma. A futura noiva parecia quase tão inchada quanto Gina no dia anterior, com a diferença de que, dessa vez, o efeito era resultado de muitas lágrimas. Recentemente ela adotara um penteado ridículo, uma espécie de capacete que Gina chamava de B-52. Sob os cabelos duros de laquê, o rosto de Cho era vermelho e irritado, e de vez em quando ela se virava para cochichar alguma coisa na orelha do noivo. As palavras eram inaudíveis àquela distância, mas a idéia geral era tão clara quanto o B-52 na cabeça de Cho.
— Se aqueles dois chegarem ao altar, juro que mudarei de nome — resmungou novamente.
— Disse alguma coisa? — perguntou Storm. — Belo lugar. Mal posso esperar para aproximar-me daquele bufe. Eles estão servindo pratos caríssimos! — comentou entusiasmado. — Não vai se servir?
— Ainda não. Mas não espere por mim — disse sorrindo, tentando demonstrar entusiasmo ao notar que Genevieve e sua secretária passavam por ali. Mas Gen era uma pilha de nervos encharcados de álcool e nem se deu conta de sua presença, ou dos dois noivos.
Por isso Gina voltou a olhar para Dino, lamentando todo o tempo que perdera sonhando com o impossível.
— Pare de suspirar por Dino — Luna sussurrou do outro lado da mesa. — Está começando a se tornar muito óbvia.
— Não estou suspirando. Na verdade...
Na verdade, acabara de constatar que não sentia mais nada por Dino. Céus! Quando havia acontecido?
Fitou-o demoradamente, mas não sentiu os joelhos fracos, nem o estômago oprimido, nem a garganta seca. Sentia apenas compaixão, especialmente quando o via com aquele ar deprimido.
Storm retornou com um prato tão cheio que mal podia vê-lo do outro lado, e Luna sugeriu que a amiga fosse comer alguma coisa.
Pelo menos foi poupada da indignidade de servir-se entre os dois acompanhantes, já que eles haviam ido e voltado enquanto pensava em Dino.
A discussão na mesa dos noivos ganhou volume, e Gina decidiu que era hora de ir ao bufê, esperando que todas as pessoas importantes cujos nomes escrevera na palma da mão estivessem ocupadas. Havia posto alguns camarões e um morango no prato quando notou que Harry estava parado atrás dela. Estaria sendo seguida, ou era apenas sua imaginação?
Antes que pudesse detê-lo, ele segurou sua mão e virou-a, lendo as anotações.
— Pare com isso!
— Foi sorte ter suado tanto — ele comentou sorrindo e soltando-a. — A tinta está tão borrada que não consigo ler nada. Por que fez isso? Espera ser testada esta noite?
— Não, eu... — Parou, tentando pensar numa boa razão para ter feito anotações na palma da mão. — É a etiqueta. Achei que devia escrever as regras mais pertinentes. Não queria passar por situações constrangedoras.
— É claro. Por isso trouxe dois acompanhantes. Qual deles está sendo traído?
O que poderia dizer diante de uma pergunta tão direta?
— Não é da sua conta. — Foi o melhor que pode pensar.
— Gina, nós dois sabemos que não é o tipo de mulher que trai o homem com quem está envolvida, principalmente de maneira tão... descarada. Que tipo de jogo é esse?
Desafiante, ergueu o queixo para encará-lo.
— Talvez goste de variar. Nunca afirmei que era convencional.
Harry se mostrou surpreso, mas recuperou-se depressa.
— Está insinuando que faz parte de um triângulo?
Era exatamente o que estava insinuando. Mas se esperava assustá-lo ou chocá-lo, teria de enfrentar a decepção.
Harry ergueu uma sobrancelha.
— Que tal admitir uma quarta pessoa?
Sabia que ele a estava provocando... pelo menos esperava que fosse apenas uma provocação, mas isso não tornava a situação menos difícil.
— Não — respondeu furiosa, abandonando o prato no bufê e correndo de volta à mesa.
— Não devia conversar com ele — Luna reclamou. — Não é apropriado.
— Não pretendo falar com ele novamente — Gina respondeu.
Um segundo mais tarde sentiu a mão de Budge sobre um ombro e preparou-se para enfrentar novos problemas.
— Tudo bem por aqui? — ele perguntou animado. — Estão se divertindo?
Todos sorriram com cortesia, exceto Zurik, que limitou-se a esvaziar a taça de champanhe e fazer uma careta de desdém. Depois ele resmungou alguma coisa sobre ostentação e exagero, mas Budge não o escutou.
— Estou pagando caro pelo jantar, e quero que todos saiam satisfeitos. Comam. Bebam. Riam.
— Oh, pode apostar nisso! — Gina respondeu com falsa alegria.
Segurando seus ombros, Budge debruçou-se para cochichar em seu ouvido.
— É bom ver que você e o rapaz esclareceram o mal-entendido. Creio que precisavam passar algum tempo juntos. A propósito, os convidados mais jovens vão levar a festa para o Cygnet Club depois do jantar. Haverá música, dança... Talvez deva levar Storm até lá. Pode ser mais um passo no caminho da reconciliação definitiva. — Passou um braço em torno de seu pescoço e o outro no de Storm, juntando-os.
Gina franziu a testa, Storm riu, e Budge afastou-se satisfeito.
— Isso está se tornando perigoso — Gina declarou irritada.
— Mas está funcionando — Luna indicou. — Budge mordeu a isca.
Mas Harry era outra história. Parado do outro lado do salão, ele a examinava com um sorriso nos lábios e uma taça de champanhe na mão. Ao ver que o encarava ele ergueu a taça num brinde silencioso. Gina o ignorou.
Uma nova explosão entre Dino e Cho atraiu sua atenção. Diante dos olhares de todos os convidados, Dino levantou-se, jogou o guardanapo sobre a mesa e saiu.
Seguiu-se um silêncio chocado. Cho rompeu em lágrimas, foi amparada pela mãe e encerrou o espetáculo correndo atrás do noivo, seguida de perto pela fiel secretária de Genevieve, Anne.
Ansiosa para ajudar, Gina começou a se levantar, mas foi detida pela voz imperiosa de Luna.
— Nem pense nisso. Não há nada que possa fazer. Além do mais, Viv Potter vem vindo para cá.
Oh, não!
Rápida, Gina afastou a cadeira de Storm, aproximando-se de Zurik e passando um braço em torno de seu pescoço.
— O que está fazendo? — ele perguntou.
— Veio ao jantar para fingir que é meu noivo, lembra-se?
— Olá, crianças! — Viv cumprimentou-os com a energia de sempre. Ela parecia ser a única pessoa no salão Odette que não se preocupava com a batalha entre os noivos. Sorrindo, inclinou-se para beliscar as bochechas de Gina e Zurik. — Vocês formam um lindo casal. Adoro romance!
— Obrigada, Viv — Gina respondeu, tentando impedir que o sorriso forçado causasse cãibras.
Zurik repetiu a careta de desdém. Viv continuou:
— Gina, quero que almoce comigo em meu estúdio amanhã. Gostaria de saber sua opinião sobre incluirmos algumas das minhas peças em seus catálogos.
Já haviam discutido o assunto, e Gina tentara ser diplomática.
— Viv, seu trabalho é maravilhoso, mas não sei se esculturas se adaptam ao mercado atingido pela Figo de Veludo.
— Sim, e não saberá enquanto não verificar. Já convidei Storm para o almoço, e pode levar seu noivo também. Formaremos um grupo bem animado.
— Pensei que eu fosse o noivo — Storm sussurrou para a irmã. Gina o chutou por baixo da mesa. — Ai! Ai! — Aparentemente, Luna também o chutara do outro lado.
Sem se dar conta do momento de tensão, Viv acenou para Storm com dois dedos.
— Não faça cerimônia, ouviu bem? Aquela mesa é o local mais sem graça da festa, especialmente depois da discussão entre os noivos. Cho e Dino parecem atordoados com a aproximação do casamento. Mas o que se pode fazer? Ah, os jovens amantes! Sempre tão intempestivos! Estarei esperando por você, Storm. Vamos animar esta festa. — E afastou-se sorrindo.
Antes que alguém pudesse piscar, Luna disse ao irmão:
— Não. Absolutamente não.
— Mas eu quero ir.
— Não!
— Sim.
— Por que insiste em desobedecer minhas instruções?
— Porque estou aborrecido. Entediado. E gosto de Viv. Ela quer que eu pose para uma de suas esculturas, e acho que isso pode ser bom para a minha carreira.
O rapaz estava tão infeliz que Gina começou a sentir pena dele.
— Que mal há em Storm divertir-se um pouco? — perguntou. — Alguém precisa aproveitar o final de semana. Além do mais, ninguém está prestando atenção em nós. Quem se importa?
— Vocês estão começando a me deixar com uma terrível dor de cabeça. Vejamos. — Luna inclinou-se para chegar mais perto da sócia. — Budge já a viu com Storm, e Viv a viu com Zurik. Além da preocupação com o feliz casal de noivos, Genevieve está tão bêbada que não notaria se você estivesse beijando um marciano. Mais alguém?
— Lilá? — Gina olhou em volta. — Ainda não a vi por aqui. Winnie? Oh, ela deve estar ajudando a mãe a dissipar as nuvens negras sobre Dino e Cho. E Nana?
— Não creio que tenhamos de nos preocupar com ela.
— E Harry? — Gina perguntou ansiosa. — Ele continua no mesmo lugar, olhando para mim como um falcão que observa a presa.
— Com qual deles ele pensa que você está noiva?
— Bem... creio que ele conhece a verdade. Sendo assim, deve estar rindo da cena ridícula que armamos aqui.
— Ele sabe? Isso é terrível! Acha que ele vai ficar de boca fechada?
— Harry ainda não disse nada, mas ele é enteado de Budge, e talvez sinta-se no dever de demonstrar alguma lealdade, especialmente se souber que o dinheiro do padrasto está envolvido na farsa.
— Oh, não! É pior do que eu pensava. Melhor ficar bem longe dele. — Levantando-se, Luna anunciou: — Muito bem, Storm, pode ir agora. Mas não se atreva a aproximar-se da mesa de Viv. Envie um bilhete por um dos garçons dizendo que estará esperando por ela lá fora... e esconda-se se Budge aparecer, está bem?
— Certo. — O rapaz afastou-se, interceptou um garçom e escreveu alguma coisa em um guardanapo de papel.
— Lu, já pensou em fazer carreira na CIA? — perguntou Gina.
Mas ela não respondeu.
— O idiota está fazendo tudo errado! — E saiu atrás do irmão.
Zurik afastou a cadeira para levantar-se. Mal-humorado, disse:
— Se não precisam mais de mim, tenho de ir terminar aquele quadro.
E saiu, parando no caminho para servir-se de algumas garrafas de champanhe e uma torta de nozes no bufe de sobremesas.
Apoiando o queixo entre as mãos, Gina refletiu sobre a situação. Chegara ao jantar acompanhada por dois homens, e agora estava sozinha.
— Não olhe agora, mas um de seus noivos acaba de sair com Viv Potter, e o outro dirige-se a um encontro íntimo com vários litros de champanhe — Harry informou. Apoiado na parede atrás dela, mantinha os braços cruzados sobre o peito e sorria. — Odeio repetir uma citação do velho Budge, mas devia pôr uma coleira naqueles rapazes.
— Preciso ir... — Gina levantou-se de um salto. — Ao banheiro.
Saiu tão apressada que teve a impressão de sentir a cabeça rodar. Sem olhar para trás, atravessou o saguão, passou pela escada, e só parou quando teve certeza de estar segura no interior do banheiro.
— A desonestidade cansa — sussurrou.
— Olá, Gina. Lembra-se de mim? — Uma loura estonteante ergueu-se de uma das cadeiras localizadas diante do espelho. — Nós nos encontramos algumas vezes na universidade. Jogamos tênis, se não me engano.
— É claro, Bianca. — Gina conseguiu sorrir para a outra dama de honra, a que ofendera Genevieve levando um bebê misterioso à festa de boas-vindas. Mal a conhecia, e lembrava-se de ter se sentido bastante intimidada por sua sofisticação européia quando freqüentavam a faculdade. Era difícil não odiar uma mulher tão linda, mas sentia-se solidária com a condição da jovem. Afinal, também fora discriminada pela insuportável mãe da noiva. — Como vai?
Pergunta estúpida. Como poderia estar, se fora o centro das controvérsias desde sua chegada?
Gostaria de perguntar se o bebê era filho de Dino. Isso explicaria todas as dificuldades entre os noivos, não? Mas não era tão ousada. Em vez disso, preferiu um comentário vago e impessoal.
— Os noivos parecem estar passando por uma fase difícil, não?
— É verdade. Acho uma pena.
— Será que podemos ajudar de alguma forma? Com todas aquelas lágrimas e discussões, estou começando a duvidar de que haverá um casamento. Talvez não tenhamos de entrar na igreja corno damas de honra.
— Bem, sabe o que dizem por aí. Tudo pode acontecer no casamento de um Potter.
— Sim, já ouvi essa frase antes. — Tendo em vista os mais recentes desastres que enfrentara, estava começando a pensar em gravá-la na própria testa.
Bianca saiu, e Gina ocupou o tempo escovando os cabelos e retocando o batom. A essa altura todos deviam ter abandonado o desastroso jantar, e poderia chegar ao quarto em segurança.
Que noite! Não comera nada, não bebera um único gole de champanhe, fora forçada a evitar a única pessoa com quem gostaria de estar, e agora teria de voltar àquela estúpida suíte e dormir no sofá.
Era deprimente.
Mas ao deixar o banheiro feminino, Gina ouviu as tentadoras e relaxantes notas de uma canção de Gershwin vindo do Cygnet Club, o pequeno bar instalado em um canto do saguão. Budge mencionara uma pequena festa. Devia ser isso. Gina parou perto de um vaso de cerâmica, ouvindo. Não conseguia escutar a voz do cantor, mas o piano soava alto e claro.
— Fascinante — murmurou, relaxando ao som da melodia. Adorava Gershwin.
Que mal podia haver em ir dar uma olhada? Queria desfrutar da música e do momento, talvez até esquecer os problemas. Sentia-se melhor só por pensar em alguns instantes de lazer.
E Budge não havia dito que a festa era para os convidados mais jovens, alheios ao grupo de criaturas neuróticas e arrogantes que passara toda a noite tentando impressionar? Seria perfeitamente seguro encolher-se em um canto mais escuro e ouvir o piano. Sem confusão, sem correria e sem noivos.
Cantarolando, aproximou-se da porta do Cygnet Club.
Harry estava ali. Era como se sua presença física pudesse envolvê-la mesmo antes de aproximar-se. Sentado em um banco perto do balcão, de costas para ela, parecia estar bebendo uma cerveja.
— Vim até aqui para ouvir música. Não vou deixar que ele me afugente — decidiu desafiante. — Além do mais, o homem nem sabe que estou aqui!
Disposta a divertir-se, Gina deu alguns passos e foi esconder-se atrás de um pilar, de onde podia ouvir as canções e ver a pista de dança.
Pelo visto, Budge enganara-se ao divulgar uma festa de jovens. A única dançarina na pista era a velha e querida Nana, cujos calcanhares batiam no chão de madeira numa estranha mistura de charleston e funk.
— Pelo menos alguém está se divertindo — Gina disse a si mesma, os lábios distendidos num sorriso. Como manter o mau humor diante de uma cena tão encantadora?
O pianista começou a tocar uma música mais rápida. Tentando acompanhá-lo, Nana também acelerou a velocidade dos movimentos, rebolando e balançando a pequena bolsa bordada que pendurara no pulso. Todos se afastaram da pista, pressentindo perigo no objeto voador.
Gina acompanhava os movimentos da bolsa. Ela parecia familiar. Pensando bem, aquela era a bolsa cuja falta notara ao examinar a caixa contendo objetos da Figo de Veludo.
— Uau, talvez tenha encontrado o tal ladrão! — Não seria interessante? E complicado.
Porque se Nana fosse a ladra, o que poderia fazer? Não teria coragem de entregar a bondosa senhora aos policiais, nem de desmascará-la diante das pessoas que faziam parte de sua vida, ou de acusá-la de cleptomaníaca. Com a batalha entre os noivos, o esgotamento nervoso da mãe da noiva, uma dama de honra com um filho psicótico de quatro anos de idade e outra com um bebê misterioso, não havia espaço naquele casamento para uma avó cleptomaníaca.
Mas também não podia ficar parada enquanto Nana roubava os outros convidados. Nem podia lidar com a situação sozinha.
Em primeiro lugar, precisava certificar-se de que aquela era a bolsa que procurava. Chegaria mais perto para examiná-la melhor.
Mas o pianista mudou novamente o ritmo, retomando o romantismo. "Let’s Face the Music and Dance" falava sobre problemas e conseqüências, algo em que ela preferia não pensar.
Reagindo à mudança, Nana agarrou um rapaz em um dos bancos do bar e começou a dar alguns passos de fox trote, ocultando a bolsa. E agora, o que faria?
Tinha de encontrar uma forma de entrar naquela pista de dança. Se encontrasse alguém para conduzi-la, chegaria bem perto de Nana e conseguiria dar uma boa olhada na bolsa.
— Talvez consiga até pegá-la de volta. Mas, para isso, precisava de um parceiro. Mordendo o lábio, olhou em volta e estudou as opções. Se entrasse na pista, Harry a veria de qualquer maneira. Então, o melhor que tinha a fazer era tirá-lo para dançar. Afinal, com aquele joelho machucado, ele teria de se movimentar devagar. Sim, Harry era o parceiro ideal.
Parecia plausível, não? E se o efeito colateral do plano fosse dançar com Harry, bem... era tudo por uma boa causa.
— Com licença — pediu, acomodando-se no banco ao lado do dele. — Posso falar com você por um minuto?
Os olhos que a encararam eram penetrantes, e Gina sentiu-se corar sob o exame intenso.
Finalmente, a voz profunda soou surpresa.
— Pensei que estivesse me evitando. Primeiro correu para o banheiro, depois ficou escondida atrás do pilar...
Então a vira. Devia saber que ele sentiria seu cheiro. Não reconhecera sua presença mesmo antes de vê-lo?
— Não estava tentando evitá-lo. Não exatamente. Além do mais, agora as circunstâncias são outras. Preciso de sua ajuda.
— Ora, aleluia! Decidiu pôr um ponto final na farsa que você e Luna armaram, e quer que eu a ajude a sair dessa confusão. O que posso fazer, Gina? Estou inteiramente disponível.
— Não. Quero dizer, isso não tem nada a ver comigo ou com você, ou comigo e Storm, ou comigo e Zurik. Trata-se de uma missão de resgate.
— Humm.
— Isto é — prosseguiu, sentindo-se afundar em águas cada vez mais profundas —, imaginei que seria a única pessoa aqui com uma consciência social. E com a missão de salvar pessoas. Além de mim, é claro.
— Já considerou a possibilidade de ajudar-se primeiro? — A pergunta continha uma nota irônica.
— Não preciso desse tipo de ajuda.
— Humm — ele repetiu naquele tom irritante. Depois fitou-a, tomou um gole de cerveja e esperou em silêncio. Os lábios sensuais estavam pressionados em uma linha muito fina, e os olhos pareciam duros e frios, como vidro verde.
— E então? Quer me ajudar, ou não?
— Devo estar maluco, mas... quem vamos salvar? E do quê?
— Muito bem, este é o plano. — Rápida, Gina o informou sobre os rumores a respeito da presença de um criminoso entre os convidados, dos itens que haviam desaparecido de seu quarto e da bolsa que Nana exibia. — Tenho certeza de que é ela. A ladra, quero dizer. E tudo que você tem de fazer é dançar comigo e conduzir-me até onde ela está. Depois... não sei, talvez seja conveniente jogar-me para trás, qualquer coisa que facilite um exame mais detalhado da bolsa. Então, se for mesmo um item do catálogo da Figo de Veludo, teremos de pensar em um jeito de recuperá-la. A bolsa e tudo que Nana eventualmente tenha roubado. E depressa.
— Humm.
— Quer parar de resmungar? Vai dançar comigo, ou não?
Harry levantou-se.
— Pensei que nunca perguntaria.
— Mais uma coisa.
— O que é agora?
Não sabia como colocar a pergunta sem ser indelicada, e por isso optou pela franqueza.
— Pode dançar? Não vai prejudicar seu joelho?
Ele sorriu.
— Acho que vou conseguir. — E estendeu a mão. |