— Estamos ansiosas para saber mais sobre o seu noivo — Viv anunciou depois de acenar para Harry.
— Não há nada a... — Gina começou, sendo interrompida por um tapinha amistoso de Viv, que havia se acomodado no braço da poltrona.
— Luna já revelou o mais importante, querida, e é tarde demais para tentar guardar segredo. Não seja tímida! Conte tudo a sua tia Viv!
Lilá cruzou os braços finos sobre o peito e fez uma careta.
— Duvido que ele exista.
Pela primeira vez desde que a conhecera, a mulher acertara em cheio em um de seus comentários maldosos.
— É claro que ele existe — Viv argumentou —, e deve ser maravilhoso. Você precisa de um homem em sua vida, Gi. Não pode passar o resto de seus dias suspirando por meu filho. Especialmente agora, quando ele finalmente aceitou que chegou a hora de transformar-se em um homem sério.
— Dino? -— Gina sussurrou. — Então sabia sobre meus sentimentos por ele?
— Francamente, Gi! Todos sabiam.
Gina afundou na cadeira, tentando ignorar a curiosidade ávida de Viv e os ruídos de desdém e incredulidade que Lilá deixava escapar a cada dez segundos. E então a porta do quarto se abriu mais uma vez. Ainda mastigando a maçã e seminu como antes, Zurik retornou à sala.
— Não acham que estão fazendo muito barulho aqui fora? — ele reclamou. — Como posso trabalhar nessas condições? — E voltou ao quarto batendo a porta.
Viv arregalou os olhos.
— Um pouco magro demais, mas aproveitável — comentou. — É um artista! O que pode ser mais interessante?
Lilá permanecia parada e boquiaberta, como se houvesse acabado de se deparar com um fantasma. Mais animada, Viv continuou:
— Como o conheceu, Gi, querida? Estão noivos há algum tempo, não é verdade? Ele deve ser um mestre nos assuntos que realmente contam em um relacionamento. — Piscadas maliciosas.
Era demais. Gina levantou-se devagar, tentando manter a calma.
— Com licença, mas preciso chegar ao fundo dessa questão. Voltarei em um minuto.
— Ei, querida, se puder trazê-lo para cá, adoraria conversar um pouco com ele — Viv gritou. — De artista para artista.
Artista? Viv Potter fazia enormes esculturas de homens nus. Completamente nus. Se queria conversar com Zurik devia ser para convencê-lo a posar, não para trocar segredos e técnicas.
Determinada, Gina abriu a porta do quarto que deveria ser dela, respirou fundo e tentou acalmar-se, mas foi inútil.
Espirrando, constatou que o elegante dormitório em sua requintada suíte cheirava a terebintina. Zurik havia se dado ao trabalho de estender alguns panos no chão, mas havia trapos sujos e tubos de tinta em todos os lugares.
O canalha nem olhava para ela, que o fitava com tanta fúria que se olhar matasse...
— Zurik — chamou —, o que pensa que está fazendo aqui?
— O quê? — Ele espalhava pinceladas em uma tela sobre um cavalete colocado perto da janela. Negligente, fitou-a por cima de um ombro. — O que estou fazendo? Não acha que é óbvio?
— Vejo que está pintando, se é isso que quer dizer. Mas por que aqui? — Espirrou novamente, o que prejudicou o tom indignado que estava tentando impor à voz.
O pintor a fitou com impaciência.
— Já disse que não conseguia trabalhar em casa. Precisava de uma mudança de cenário.
— Sim, mas...
— Sua amiga, a pequenina cabeluda, ameaçou enterrar o cabo do pincel em meu peito se o quadro não estivesse aqui hoje.
— Tenho certeza de que ela não falou sério e...
— Ela é encantadora — Zurik comentou com ar pensativo. — Sabe se está envolvida com alguém?
Gina levou a mão à testa. Luna ameaçara atacá-lo fisicamente, e o sujeito queria sair com ela? Jamais entenderia os homens.
— O que minha sócia quis dizer é que preciso do quadro pronto hoje, porque ele será meu presente de casamento para o feliz casal. Entendeu? Devia ter enviado a tela concluída, não montado acampamento em meu quarto.
— Oh, eu sei. — Parou e coçou a ponta do nariz com o cabo do pincel, respingando mais um pouco de tinta no próprio peito. — Mas não havia a menor chance de concluir o trabalho em casa. Estava sem inspiração.
— Pois agora que a encontrou, trate de embrulhá-la junto com suas tintas e sair do meu quarto. — Espirrou. — Agora!
Zurik encolheu os ombros estreitos.
— A menos que esteja aqui, pintando como um escravo, não conseguirei terminar, e então você não terá um presente de casamento. Além do mais, gosto daqui. A luz é boa. O champanhe é excelente. E você tem um quarto extra. Por que não posso ficar?
Gina estava habituada a ser manipulada e pressionada pelas pessoas. Era algo que acontecia todos os dias de sua vida, especialmente com Esmie e suas férias intermináveis, Gigi e sua incapacidade de pronunciar a palavra figo, e Oliver, o vigia noturno sonâmbulo. Sabia que todos tiravam proveito dela.
Tentara desenvolver a capacidade de dizer não. Esforçara-se para isso.
Mais um espirro sacudiu seu corpo, e depois o olho esquerdo começou a lacrimejar. A coceira era insuportável, e quanto mais coçava, mais o olho lacrimejava. Com cuidado, massageou a pálpebra com a ponta do dedo indicador. Estaria sentindo um certo inchaço, ou era apenas sua imaginação?
— Além do mais, não vai querer este quarto agora — o pintor apontou com calma irritante, olhando por cima de um ombro. — É evidente que é alérgica ao cheiro de terebintina. No seu lugar, sairia daqui imediatamente e tomaria um antialérgico.
— A culpa é sua. Minha alergia deve ter sido causada pela sua pintura. — Mas o desaforo soou estranho, pois, de repente, ficou afônica e sem conseguir respirar direito.
— Sei — ele respondeu com um sorriso cético. — Bem, estou coberto por substâncias químicas, e duvido que o odor desapareça antes de dois ou três dias. Portanto, se não vai poder usar este quarto, não há nada que me impeça de ficar.
-— Não faça isso comigo — implorou, sentindo que começava a ceder. A voz nasalada e a pronúncia fanhosa acompanhavam a reação do olho direito, que lacrimejava tanto quanto o esquerdo, e como se não bastasse, o rosto todo começava a coçar e inchar. — Atchim!
— Vai precisar de um presente de casamento, não é? — Zurik acrescentou. — E dispõe de outro quarto, onde não vai ter de suportar o cheiro de tinta e terebintina. Que mal pode haver na minha presença? Você dorme no outro quarto, eu fico aqui, você tem um fabuloso quadro daqueles dois esnobes antipáticos pintado por um artista ascendente, e todos ficam felizes.
Nunca mais tentaria negociar com artistas. Eles eram impossíveis. Infelizmente, daquela vez o homem estava certo. E se não saísse dali em trinta segundos, acabaria assumindo a aparência de um gigantesco peixe-boi com olhos vermelhos, nariz inchado e... Oh, céus, agora era o queixo que começava a coçar.
— Gina? — A voz soou estridente do outro lado da porta. — Querida, temos de ir. Não vai voltar para cá?
Enquanto lutava para conter o ímpeto de coçar quinze partes do corpo ao mesmo tempo, Gina tomou uma decisão. Consumida pelo estresse e tomada de assalto por uma terrível crise alérgica, era astuta o bastante para saber quando destino e karma uniam-se contra ela.
— Já estou indo — gritou. Depois virou-se para Zurik. — Tudo bem, pode pintar aqui, mas vai ter de prometer que ficará no quarto e terminará o quadro e... Atchim'. — Balançou a cabeça, tentando vencer a névoa que nublava sua visão. — Tem de prometer que não vai sair daqui, ouviu bem?
Ele assentiu e voltou a concentrar-se no quadro.
Gina saiu, ansiosa por uma atmosfera livre dos odores de terebintina e verniz. Fechou a porta, apoiou-se nela e respirou fundo.
— Tiveram um desentendimento? — Viv perguntou solidária. — Não pudemos deixar de ouvir as vozes alteradas.
Gina não respondeu. Estava tentando fazer o ar passar pelas narinas entupidas, uma missão que requeria esforço e concentração.
Viv e Lilá haviam passado o tempo vasculhando as caixas e sacolas com o logotipo da Figo de Veludo, e o tapete da sala estava coberto por xales de cashmere e bolsas de tapeçaria. Mas ao erguer os olhos dos objetos coloridos, Viv levantou-se assustada.
— Meu Deus, Gi, esteve chorando?
— Não. É alergia — respondeu, tentando encontrar uma caixa de lenços de papel. Pelo menos voltara a falar com normalidade.
— Tudo bem, querida, todas nós passamos por isso — Viv consolou-a, passando um braço sobre seus ombros. — Mas aqui entre nós, meu bem, você está horrível. No seu lugar, tentaria melhorar a aparência antes de ir ao encontro de Genevieve Chang.
— Oh, não! A festa no jardim! — Distraída, examinou os objetos espalhados pela sala e tentou lembrar-se de onde deixara suas roupas, torcendo para que as duas não houvessem misturado tudo na ânsia de encontrar algo que as agradasse. — Acha que a festa ainda não acabou? Tem certeza de que chegarei a tempo?
— A festa ainda vai continuar por algumas horas — Viv anunciou entediada. — E sabe como é nossa querida Gen. Deve estar furiosa com a ausência de uma das damas de honra. É melhor descer e dar o ar da graça, ou Gen pode sofrer um ataque de ansiedade.
— Tem razão. — Apesar do mal-estar, encontrou o vestido que planejava usar e dirigiu-se ao banheiro mais próximo, o que fazia parte da área social da suíte.
Cometeu o engano de olhar para o espelho e deixou escapar um grito. Não era uma pessoa vaidosa por natureza, mas aquilo era ridículo.
— Estou horrível!
— Seus problemas acabaram! — Uma voz anunciou no hall. — Luna chegou!
Gina abriu a porta do banheiro para deter a amiga. Mesmo que a questão envolvendo Zurik fosse apenas um mal-entendido, Luna ainda tinha de justificar os boatos que espalhara.
— Estou muito aborrecida com você, Lu — disse, controlando o tom de voz para não correr o risco de ofendê-la.
— Por quê? — Depois da pergunta surpresa, ela inclinou a cabeça para examinar a aparência da amiga.
— O que aconteceu? Não me diga que tropeçou e caiu com o rosto em um arbusto venenoso a caminho daqui. Que catástrofe! Disse que devia surpreender Dino, mas não desse jeito.
— Obrigada pelo apoio — Gina começou a fechar a porta, mas abriu-a novamente para sussurrar: — Livre-se de Viv e Lilá. Precisamos conversar. — E voltou para o interior do banheiro, onde lavou o rosto com água fria e tentou pensar de maneira positiva sobre a própria aparência. O inchaço e a cor avermelhada logo desapareceriam.
— Bem, obrigada por terem vindo — Luna disse na sala, conduzindo as duas visitantes até a porta, onde elas se despediram. — Iremos encontrá-las na festa no jardim.
A porta foi fechada com um baque vingativo. Tentando ajeitar o vestido de seda e barra de crochê que levara para a festa, Gina gritou:
— Espero que saiba, Luna, que todas as pessoas que vieram para o casamento pensam que tenho um noivo.
Em silêncio, ela se aproximou e começou a abotoar o vestido cor de creme.
Agora que havia começado, Gina não conseguia parar.
— Notei que não está sequer tentando defender-se, o que é muito bom. Porque agora, as pessoas não só acreditam que tenho um noivo, como já elegeram o candidato ao título de fantasia de ano. — Luna ameaçou falar, mas ela a deteve com um gesto imperioso. — Não quero que pense que a estou culpando por ele, embora sua presença neste hotel se deva a você. Sei que o sujeito veio sozinho, mas mesmo assim...
— Gina, tudo vai dar certo se....
— Luna, não devia ter inventado essa história absurda. Sei que só queria me ajudar a mostrar uma nova imagem, convencer as pessoas de que tenho um noivo interessante e não choramingo mais pelos cantos por causa de Dino. Aprecio sua lealdade, mas devo dizer que sua tentativa acabou no mais completo e lamentável desastre. Agora todos pensam que sou noiva de Zurik.
— Zurik? O artista? E por que pensariam tal coisa? — Luna perguntou surpresa.
— Provavelmente por ele estar pintando em meu quarto neste exato minuto.
— No seu quarto? Mas isso é maravilhoso! Quer dizer que podemos testemunhar o processo de criação artística?
— Não vejo nada de maravilhoso nisso. O cheiro é horrível! E nada vai mudar o fato de ter espalhado um boato sobre um noivo que eu nunca tive. As pessoas pensam que ele é o homem!
Luna balançou a cabeça, forçando-a a ficar quieta para que pudesse arrumar os babados que adornavam a gola do vestido.
— Vamos deixar essa conversa para mais tarde, está bem? No momento, temos de arrumá-la para que possa descer ao jardim, onde está sendo esperada.
— Não posso aparecer com o rosto inchado e o nariz vermelho.
— É verdade, não pode. Fique aqui. — Compenetrada, Luna foi buscar a bolsa de maquiagem. Enquanto cobria o rosto da amiga com cosméticos de todos os tipos, ela falava sem parar. — Estive no jardim. Genevieve Chang levou a sério a história de oferecer uma recepção de boas-vindas. Aquela mulher é uma piada. Sei que me aconselhou a ser especialmente gentil e agradável com ela durante o final de semana, mas a velha Gen tem o dom de desafiar minha paciência. Primeiro ela ameaçou ter um ataque de raiva porque você estava demorando a chegar. Disse que estava esperando há horas, e que não podia considerar a festa completa sem a terceira dama de honra, e o que os convidados iam pensar, e uma abominável série de queixas e reclamações que ninguém mais suportava ouvir. Juro, ela precisa de um guardião.
— Ela já tem um. A secretária de Genevieve telefonou na semana passada para perguntar à que horas eu pretendia chegar. Creio que esperavam pontualidade — Gina comentou, torcendo o nariz para o espelho. Sua aparência havia melhorado um pouco, mas ainda estava longe do ideal.
— Pronto. É o melhor que posso fazer — Luna anunciou, guardando os pincéis e estojos antes de dirigir-se à porta. — Não sei o que fez com seu rosto, mas parece estar melhorando. Devagar.
— Já disse que sofri uma crise alérgica por causa de Zurik. Meu quarto parece uma lata de tinta!
Luna saiu na frente dela, atravessou o corredor e chamou o elevador, enquanto Gina ainda tentava calçar os sapatos. Planejara sua entrada na festa, o primeiro reencontro com Dino Potter em anos, de maneira muito diferente.
— Quer fazer o favor de se apressar? — Luna pediu, esmurrando o botão do elevador como se assim pudesse fazê-lo chegar mais depressa. Cansada de esperar, correu para a escada puxando a amiga pela mão. — É melhor descermos a pé. Genevieve Chang vai mandar uma equipe de busca se não aparecermos logo. E a última coisa que precisamos é daquela velha maluca invadindo seu quarto e encontrando o artista excêntrico envolto em uma nuvem de terebintina.
— Tarde demais. — Tirando proveito das pernas longas, Gina passou na frente de Luna e foi a primeira a chegar ao saguão, onde reduziram o ritmo para não chamar muita atenção dos outros convidados. Baixando a voz, murmurou: — Viv e Lilá já o conheceram. Por isso pensam que ele é meu noivo. Aquele que você inventou.
— Como podia imaginar que Zurik seria confundido com o príncipe que criei para você? — Abriu a porta que levava ao terraço e esperou que ela saísse. — Disse a todos que você era noiva porque trouxe...
Storm. Que estava subindo a escada para o terraço, exibindo aquele sorriso luminoso que podia ser visto em todos os pontos de ônibus do estado. Ele usava mais roupas que o normal, e parecia ainda mais lindo que nunca. Lindo, porém vazio. E inexpressivo.
— Olá, querida Gina — cumprimentou-a, usando um tom que fazia parecer que estava lendo o texto em uma tela escondida em algum lugar. — Senti sua falta durante o tempo que passamos afastados. — E sorriu novamente, satisfeito por ter conseguido recitar as linhas do enredo sem esquecer nada. Com movimentos que pareciam ter sido ensaiados várias vezes, ele se inclinou e beijou-a nos lábios.
Gina encolheu-se.
— Luna, você não...
— Sim — ela respondeu num sussurro, enterrando o cotovelo em suas costelas. — Todos estão olhando para cá. Trate de ser convincente e beije-o!
Estavam todos ali. Todas as pessoas que ela não queria ver naquele momento. Especialmente uma.
— Harry — Gina murmurou. Era tão bonito, tão real, tão tentador no meio da loucura criada por Luna! Nana Lambert tentava ensiná-lo a dançar um tango no meio dos canteiros de girassóis, mas ele mantinha os olhos fixos no terraço.
Mais adiante, no jardim de roseiras, Budge Potter segurava a mão da atual esposa e observava os recém-chegados. Ele ainda usava o uniforme de tênis, mas franzia a testa para Gina, como se tentasse analisar a alma do noivo sobre quem ouvira falar.
Atrás dele, Viv estava ocupada com um prato de bolinhos recheados de creme, enquanto Lilá corria atrás do filho, que escondera-se sob uma mesa em companhia de uma garotinha num vestido cor-de-rosa. Enquanto isso, a anfitriã, a esnobe Genevieve Chang, mãe da noiva, esperava pelo desenrolar dos eventos com ansiedade. Ela tomava rápidos e sucessivos goles da xícara de chá que segurava entre as mãos.
Os noivos não estavam presentes, e Gina decidiu agradecer à sorte pelas pequenas bênçãos. Pelo menos seria poupada da indignidade de deparar-se com Dino.
Mas e quanto a Harry? Os olhos dele a estudavam como se pudessem ler sua alma, e sabia o que ele estava pensando. Primeiro flertou comigo enquanto mantinha o pintor trancado em seu quarto, e agora surge diante de todos com um desconhecido. Quem pode ser o número três?
— Luna — Gina resmungou —, juro que vou matá-la.
— Eu posso explicar — ela respondeu no mesmo tom, colocando um pequeno objeto na mão da amiga, algo cujo formato lembrava um anel. — Ponha isso no dedo e não discuta comigo. Explicarei tudo mais tarde. Até lá, seja boazinha e finja que é noiva. Estarei bem atrás de você.
Um empurrão de Luna jogou-a contra o peito de Storm, que a segurou entre os braços musculosos. Ele a beijou no rosto, enlaçou-a pela cintura e levou-a para o jardim.
Gina queria morrer.
— Ginevra, querida, é bom vê-la aqui. — O tom frio e elegante de Genevieve não disfarçava a irritação. Sem mencionar o forte odor de uísque que emanava da inocente xícara de chá da Sra. Chang. — É claro que a esperávamos há horas, e por isso fiquei um pouco ansiosa. Já estamos enfrentando mais desastres do que podemos relatar.
Winnie Chang, a esquisita irmã da noiva, aproximou-se sorrindo.
— Cho e Dino brigaram. Ela saiu correndo para o caramanchão e Dino foi atrás, mas ninguém voltou a vê-los desde então. E isso aconteceu há horas. Por isso mamãe está tão nervosa.
— Sinto muito — Gina murmurou, mas Genevieve não parecia notar. Luna estava fazendo sinais estranhos, descrevendo círculos em torno do dedo, e Gina compreendeu que devia colocar o anel antes que alguém o visse escondido em sua mão.
— Dino obrigou Cho a aceitar suas escolhas com relação ao cortejo nupcial. Quero dizer... é claro que não me refiro a você, meu bem, mas àquela loura vulgar cujo nome não consigo lembrar. Aquela cuja mãe foi casada com Budge Potter, a que viajou por toda a Europa dormindo com metade da população masculina do continente.
— Refere-se a Bianca? — Gina arriscou hesitante. Encontrara a jovem algumas vezes, mas não a conhecia realmente. Lembrava-se de ter tido uma boa impressão a respeito de Bianca, especialmente por ser dona de uma beleza estonteante, e duvidava que a outra dama de honra houvesse dormido com alguém que não devesse. Mas aquele não era o momento de desafiar Genevieve e suas afirmações arrogantes.
Gen havia mudado de assunto, trocando Bianca por Harry.
— Parece que temos um pajem deficiente que pode precisar de muletas para entrar na igreja. Muletas arruinariam toda a aparência da cerimônia! Seria horrível. E o portador das alianças será aquele monstrinho da Lilá... Já conheceu o pequeno Lambert? Se aquele menino morder o tornozelo de mais um convidado ou jogar sua bola imunda no meu cristal Waterford, juro que o jogarei para os cisnes como refeição. — Levou a mão trêmula aos cabelos platinados. — Em resumo, com tudo que está acontecendo, não teríamos sobrevivido sem a terceira dama de honra.
— Peço desculpas por ter me atrasado. Também estou enfrentando um dia difícil.
Luna aproximou-se para afirmar que todos os problemas haviam sido solucionados, e Gina notou que Harry estava parado atrás de Genevieve, fitando-a com evidente interesse, os olhos buscando respostas em Storm e analisando a pedra falsa e feia que brilhava em seu dedo.
Alisando os cabelos curtos, escuros e ondulados com uma das mãos, torcendo para que o rosto houvesse voltado ao normal, Gina desviou os olhos dele, tentando concentrar-se na interminável e pastosa ladainha de Genevieve.
Mesmo nas melhores circunstâncias considerava difícil lidar com a mãe de Cho. Sabia que a matriarca dos Chang desaprovava sua amizade com Dino. A velha Gen deixara claro mais de uma vez que a considerava uma ameaça ao relacionamento dele com Cho, embora Gina jamais houvesse entendido o porquê.
Mas sempre tivera a sensação de que Genevieve a via como um ser inferior. O que era verdade, se levasse em consideração toda a distância que as separava. Não que se importasse muito. De fato, não dava a menor importância à opinião daquela velha esnobe cujo maior prazer era maldizer o próximo e ingerir doses assustadoras de uísque.
Mas depois de chegar atrasada à festa e constatar que era realmente vítima de uma conspiração cujo único objetivo era convencer o mundo sobre seu suposto noivado, sentia-se ainda mais incomodada na presença de Genevieve.
A Sra. Chang fitou-a com as sobrancelhas erguidas.
— O que fez com seu rosto?
— É só uma pequena reação alérgica. Tenho certeza de que logo vai passar. — Ao contrário da situação em torno do falso noivado, que ameaçava arrastar-se para sempre, especialmente com Storm grudado em sua cintura. Oh, não! Harry aproximara-se ainda mais, fingindo examinar uma variedade de doces e bolinhos sobre uma das mesas cobertas por toalhas de renda, mas Gina sabia que sua intenção era ouvir a conversa. Ele se acomodou em uma cadeira de vime a poucos passos de distância, e Gina mordeu o lábio para conter um grito e qualquer outro sinal de descontrole emocional.
— Bem, espero que esteja certa. — Havia um tremor em um dos lados do rosto de Gen, e a voz falhou quando ela continuou. — O casamento será realizado em dois dias, e se uma das damas de honra apresentar-se parecida com Quasímodo, tudo estará arruinado.
— Quasímodo? — Storm repetiu sério. — Acho que desfilei algumas roupas de sua nova coleção de outono.
— Não! — Gina o corrigiu apressada. — Quasímodo é o Corcunda de Notre Dame.
Ele franziu a testa e assumiu um ar pensativo.
— Oh, sim, agora me lembro! Refere-se ao desenho dos estúdios Disney, certo?
— Mais ou menos — respondeu com um sorriso falso, imaginando um cenário no qual a obstinada e confusa Luna caía morta em uma festa no jardim, enquanto o idiota do irmão dela sofria destino ainda mais doloroso. Se não afastasse Storm dos ouvidos de Harry, acabaria morrendo de constrangimento. — Importa-se de ir buscar uma xícara de chá e alguns bolinhos? Estou faminta!
Ele encolheu os ombros, alisou o tecido do paletó e depositou um beijo falso em seu rosto. Nem o pequeno Lambie teria sido enganado pela demonstração de afeto.
— Gina, você é uma mulher sorte — Winnie Chang suspirou, examinando a metade posterior do Garoto Cueca, que afastava-se com aquele andar confiante de quem se orgulha dos próprios atributos físicos. — Seu noivo é tão encantador!
— Ele não é m... — A cotovelada de Luna a interrompeu.
— Ele não é maravilhoso? — ela sorriu, corrigindo o erro da amiga e lançando um olhar irritado em sua direção.
Sim, maravilhoso! Como um castigo divino. Enquanto Storm tentava equilibrar bolos e biscoitos em um prato de fina porcelana Wedgwood, Winnie dizia:
— Mamãe disse que ele é um executivo na Figo de Veludo, mas sou capaz de jurar que já o vi antes. Oh, espere! Acabo de me lembrar. Foi em um ponto de ônibus. Sim, num cartaz de publicidade. E de cueca!
Ótimo. O mundo todo vira Storm em sua cueca indecente. Bem que tentara prevenir Lu sobre a inadequação do rapaz ao papel de noivo, mesmo que quisesse ter um, o que não queria. Sabia que ele seria desmascarado como um impostor, e justamente por essa razão. O fato de ter um QI inferior a cinco era mais um dado a considerar.
Mas Luna ouvira seus argumentos? Não.
— Ninguém me ouve — Gina resmungou. Luna fitou-a com expressão séria e decidiu interferir mais uma vez.
— Storm é modelo e, como todos já sabem, também é noivo de Gina, além de trabalhar como executivo em nossa empresa de vendas por catálogo. Multitalentoso, nosso querido Storm.
Gina viu o sorriso divertido nos lábios de Harry, sinal de que ele ouvira cada palavra do discurso absurdo.
— Já que estava com a mão na massa, porque não fez dele um físico nuclear e um astronauta da NASA? — disparou irritada.
— Oh, Gina, você é muito engraçada!
— Ginevra, lamento muito, mas tenho de protestar diante do elevado número de convidados que trouxe — Genevieve anunciou. Ela também analisava as curvas do traseiro de Storm, que lutava para equilibrar o prato e escapar dos dentes afiados do pequeno Lambie. — Não que seu noivo não seja bem-vindo. Ou a querida Luna. Mas tínhamos uma lista fechada, como tenho certeza de que pode imaginar, e todos os aposentos do hotel estão lotados. Todas as pessoas do mundo querem estar presentes a este casamento, incluindo uma verdadeira coleção de tipos desagradáveis, como essa gente da imprensa com quem Dino insiste em relacionar-se, os tais pop-o-razzies, ou como quer que sejam chamados.
— Dino não trabalha como paparazzi — Gina protestou, como sempre saindo em sua defesa. — Ele administra uma revista de qualidade que não utiliza material produzido por essas pessoas.
— Essas pessoas não deviam ter sequer o direito de viver, se quer saber minha opinião, muito menos o de testemunhar o meu casamento. E como se não bastasse, temos um criminoso solto por aí!
— Criminoso? — Gina repetiu.
— Não quero nem falar nisso — Genevieve resmungou.
Winnie confidenciou em tom de fofoca:
— É o mais recente rumor. Parece que há um ladrão de jóias entre nós. Como George Clooney naquele filme. Por mim, ele pode subir pela minha janela quando quiser!
— Winnifred, pare de dizer tolices imediatamente. Não se trata de um ladrão de jóias, mas de um fugitivo da penitenciária, ou alguém igualmente perigoso. Como esse sujeito comum e ordinário atreveu-se a invadir o meu casamento?
— Mamãe, o casamento é de Cho.
— Fique quieta, Winnifred. É claro que o casamento é dela. — Tentou recuperar a compostura. — Enfim, já deve ter compreendido por que devia ter nos prevenido antes de trazer pessoas que não foram convidadas, porque temos de tomar muito cuidado com todos que circulam por aqui. Além do mais, não temos espaços disponíveis para hospedar mais ninguém.
— Não se preocupe. Estou certa de que não haverá mais nenhum convidado inesperado. — E olhou para Luna com ar desafiante. — Haverá?
— Oh, céus! — Genevieve tremia tanto que gotas de uísque caíam da xícara no pires. — Digam-me que não é quem eu penso ser, e que ela não está carregando o que imagino que seja. Anne! — gritou, olhando em volta em busca da secretária. — Trouxe minhas pílulas?
Gina suspirou aliviada, grata pela distração, qualquer que fosse.
— Luna — murmurou —, por que estou participando dessa farsa?
— Há uma boa razão que é complicada demais para ser discutida agora, mas prometo informá-la mais tarde. — Ela tentava falar sem mover os lábios, o que soava e parecia ridículo. — Escute, disse que Viv e Lilá pensam que Zurik é seu noivo, certo? Viv está se aproximando daqui, o que significa que é melhor esconder-se antes que Storm volte com o chá e os bolos. Ela não pode vê-los juntos.
— Vou precisar de uma agenda para saber com quem posso falar!
— Gina, Viv e Lilá acreditam que você está envolvida com o pintor. Portanto, fique longe delas enquanto estiver com Storm. Mas Genevieve e Winnie são companhias seguras, já que pensam que meu irmão é o feliz noivo. Budge também é uma boa escolha, porque mencionei o nome de Storm em uma conversa que tive com ele antes de você descer. Vejamos... mais alguém?
— Nana Lambert. Se ela me encontrar com seu irmão, vai pensar que estou traindo Harry, o toureiro.
— O quê?
— Esqueça. — Em silêncio, jurou que mataria Luna na próxima vez em que a encontrasse sozinha.
Storm aproximava-se com as guloseimas. Viv vinha do lado oposto, e Harry observava tudo com atenção.
Onde poderia se esconder?
— Meu Deus! — Luna estava chocada.
— O que é agora? — Quis saber Gina, certa de que nada poderia ser pior do que a situação que vivia.
— Quem é aquela loura com o bebê? Aquela de vestido curto e preto. Genevieve parece pronta para explodir em um milhão de pedaços.
— Oh, é Bianca, uma das damas de honra, aquela que a Sra. Chang odeia.
Era horrível sentir-se satisfeita diante de tão evidente antipatia entre dois seres humanos, mas um confronto a tiraria do centro das atenções, e isso era tudo que queria naquele momento.
— De quem é o bebê? — Luna indagou curiosa. — Este assunto deve ser uma bomba! Veja como todos pararam para olhar para ela. E é linda! Mas... acha que...
— O quê?
— O bebê. Seria de Dino?
— Dino? Meu Dino? É claro que não! De onde tirou essa idéia?
— Bem, ouvi alguma coisa...
— Mentira! Dino é um homem de princípios.
— Sim, sim, eu sei, um modelo de virtude. E quem é aquele?
— Quem?
— Sei que este lugar está repleto de homens interessantes, mas refiro-me ao rapaz que acaba de aproximar-se da loura com o bebê.
— Neill? Oh, ele é irmão de Dino. E creio que é um dos padrinhos, também.
— É o melhor de todos que vi até agora. Com exceção daquele ali, é claro.
Gina seguiu a direção apontada pela amiga e respirou fundo para manter a calma.
— Mais um Potter — explicou. — Harry. O que resgatei a caminho daqui.
— Você o encontrou sozinho na estrada? Que sorte!
— Oh, sim, tenho mesmo muita sorte. Ele pensa que sou uma mentirosa sem personalidade.
— Vamos deixar para pensar em Harry, o Magnífico outra hora. O que Storm está fazendo com Viv Potter?
Gina piscou, sem saber se estava realmente enxergando o que pensava ver. Os dois caminhavam em sua direção, mas encontraram-se no meio do caminho. E agora parecia que a extravagante escultora e o Garoto Cueca estavam... bem, flertando, trocando provocações e contatos físicos.
Todos viram quando Storm inclinou-se para beijar a mão de Viv, que riu como uma colegial.
— Perdi as contas de quantas vezes ouvi Viv dizer que tudo pode acontecer no casamento de um Potter. — Gina balançou a cabeça. — Agora sei por quê. Meu Deus... Isto não é uma festa de casamento. É um circo!
— Como ele se atreve? — Luna irritou-se. —- O imbecil está levando um bom dinheiro pelo trabalho. O mínimo que devia fazer era se comportar como um noivo.
— Você está pagando para que seu irmão participe dessa farsa? — Boquiaberta, Gina viu a amiga afastar-se para dar um sermão no rapaz.
— Divertindo-se muito? — Uma voz masculina perguntou a seu lado.
Gina virou-se. Harry. E pela expressão desconfiada em seu rosto, ele não havia acreditado em nada do que vira. |