Estava extremamente frio. Gina aumentou o aquecedor do carro enquanto enfrentava o trânsito lento de Boston. Até que o veículo esquentasse, pensou sentindo os pés congelarem, já estaria dentro do restaurante.
Tinha decidido aceitar o convite de Matt Fairman para jantar. Como promotor auxiliar, ele possuía boas conexões. Embora ela preferisse ficar em casa aconchegada embaixo das cobertas e vendo um filme, não podia perder a oportunidade de marcar alguns pontos a seu favor.
Gina tinha se demitido de Barclay, Stevens e Fitz na semana que voltara de Atlantic City. Uma maneira de protestar contra a manipulação da tia. Sabia que estava se arriscando tanto financeira quanto profissionalmente, e nas duas semanas que se seguiram, sentiu pura insegurança. Barclay representava estabilidade, mas tinha sido a escolha de sua tia. Gina queria independência, e, apesar do medo, não se arrependia de sua decisão.
Se tinha algum arrependimento, era de ter passado tão pouco tempo com Rony depois que eles haviam se reconciliado. Mas era essencial que voltasse para Boston e cuidasse de sua vida. A demissão do emprego precisava ser feita no auge da raiva. Sentia pressa de procurar a própria carreira como advogada. E descobriu que também tinha pressa de explorar Gina Weasley, todas as partes de si mesma que estavam enterradas há tantos anos.
Havia também uma outra razão pela qual deixara Atlantic City antes do planejado: Harry Potter. Precisava colocar alguma distância entre os dois, principalmente após o último interlúdio emocional antes de falar com Rony. Harry estava mexendo com ela.
Um homem que tinha a habilidade de fazer isso com as mulheres, cuja reputação com o sexo oposto vinha desde a época da faculdade. Circunstâncias, ou talvez destino, a tinham feito ouvir falar de Harry em Harvard, e depois, através de associações mútuas em Boston. Gina já sabia bastante sobre Harry antes de conhecê-lo pessoalmente... mas foi então que o problema surgiu.
Era pura atração física, disse a si mesma, e um caso com Harry estava fora de questão. Eles tinham muitos elos, na profissão, e agora na família. Ele era mulherengo, e ela era cautelosa.
No fundo, sabia que era mais que desejo. Harry mexia com emoções que Gina não podia definir. Não estava pronta para defini-las. Portanto, o melhor era ficar longe dele.
Exercer sua própria prática em advocacia iria requerer todo seu tempo e energia por meses. A perspectiva a amedrontava e a excitava, embora ainda não tivesse achado a sala adequada para seu escritório, e sua lista de clientes fosse pequena. Dessa vez, estaria sozinha. Não teria tia Muriel trocando segurança por obediência. Dessa vez, tomaria suas decisões, faria os próprios erros e acertos. Sabia exatamente o que queria: trabalho, desafio, sucesso. Tudo de que precisava era da chance para encontrar isso.
Gina parou o carro no estacionamento e desceu. O frio penetrou seu casaco, e uma chuva gelada e forte começou a cair, deixando o asfalto escorregadio. Ela ignorou as pernas quase congeladas e foi em direção ao restaurante.
Quando abriu a porta, o ar quente a fez suspirar de prazer. Gina se aproximou do maitre.
— Gina Weasley. O sr. Fairman já chegou?
O maitre deu uma olhada na lista que tinha cm mãos.
— Ainda não, srta. Weasley. Quando ele chegar, avise-o de que estou esperando no saguão.
Gina andou em direção à grande sala confortável, onde sofás e poltronas estavam espalhados no redor de uma imensa lareira de pedra. A luz do fogo era suave e aconchegante, enquanto conversas e risadas davam ao ambiente uma atmosfera familiar. Sentou-se em uma das poltronas para esperar.
Eu queria tirar os sapatos e ficar aconchegada aqui pela próxima hora, somente olhando para o fogo, pensou. Um dia, terei uma casa parecida com isso. Vou me deitar no chão e observar as sombras do fogo dançando no teto.
Com um suspiro, afundou mais na poltrona. Estou ficando sentimental, decidiu com uma olhada para seu relógio. Considerando o trânsito e o clima, era normal que Matt estivesse atrasado.
De súbito, um garçom apareceu ao seu lado e começou a abrir uma garrafa de champanhe.
— Perdoe-me, isso é um engano — disse ela. — Eu não pedi nada.
— O cavalheiro quer lhe oferecer um drinque, srta. Weasley.
— Cavalheiro? — Gina virou a cabeça enquanto o garçom servia a taça. Assim que o viu, sentiu uma emoção que não poderia categorizar como aborrecimento. Ele lhe dissera, afinal, que Boston não era uma cidade tão grande.
— Olá, Harry.
— Gina. — Pegando-lhe a mão, ele levou-a aos lábios. — Posso lhe fazer companhia?
— Parece justo. — Ela gesticulou para o champanhe e as duas taças que o garçom deixara na mesinha ao lado da poltrona.
Em um terno cinza-claro, ele era o típico advogado sofisticado. Ela se lembrou de como ele parecera natural em jeans e jaqueta de couro.
— Como vai? — perguntou, erguendo uma das taças.
— Estou bem. — Ele sentou na poltrona oposta, estudando-a. O vestido de seda azul-turquesa brilhava contra a pele suave. A escolha de cores de Gina parecia combinar com a escolha do perfume. Vibrantes e ousados.
— Você está aqui sozinho? — perguntou ela.
— Sim.
Ela deu um gole no champanhe.
— Vou encontrar Matt Fairman. Suponho que você o conheça.
— Sim — confirmou Harry com um sorriso. — Eu o conheço. Pensando em trabalhar para a advocacia jurisdicional agora que se demitiu de Barclay?
— Não, eu... Como você sabe que me demiti?
— Eu me informei — replicou ele simplesmente. — Quais são seus planos?
Gina franziu o cenho por um momento, então relaxou.
— Pretendo abrir minha própria firma.
— Quando?
— Assim que eu cuidar de alguns detalhes.
— Já encontrou um escritório?
— Esse é um dos detalhes. — Ela passou um dedo ao redor da borda da taça. — Não é tão fácil como imaginei, se eu quiser uma boa localização é um aluguel razoável. Tenho três possibilidades para verificar amanhã.
Harry assentiu.
— Eu conheço um espaço que talvez possa interessá-la.
— Verdade?
— Fica do outro lado do rio, não muito longe do Palácio da Justiça. — Ele deu um gole, observando-lhe os ombros marcados pelo tecido de seda. Há semanas vinha pensando em como seria a sensação daqueles ombros em suas mãos. Também vinha se perguntando como Gina estaria em Boston, agora que descobrira sobre a tia e Rony. E principalmente depois de se demitir do emprego. Esse tipo de preocupação era maior do que o desejo que sentia por ela. — Um sobrado que foi reformado para acomodar uma área de recepção, salas de conferências, escritório — continuou.
— Parece maravilhoso. Não sei por que meu corretor não mencionou essa propriedade. — A menos que o preço da casa estivesse além de suas condições, pensou Gina. Não ia tocar no fundo que sua tia guardara para ela. Ou Rony? De qualquer forma, não gastaria um centavo do que não ganhara por si mesma. — Como você soube desse sobrado?
— Conheço o dono — respondeu Harry, e servindo mais champanhe para os dois.
Gina percebeu alguma coisa no tom das palavras e o estudou cuidadosamente.
— Você é o dono.
— Você é rápida. — Ele sorriu. Ignorando o sorriso, ela recostou-se e cruzou as pernas.
— Se possui uma casa tão maravilhosa, por que não a está usando para si mesmo?
— Eu estou. Essa cor fica muito bem em você Gina.
Ela suspirou.
— Por que eu estaria interessada no seu escritório?
— Estou com excesso de trabalho. Terei de rejeitar alguns clientes pela simples razão de que não serei capaz de dar-lhes o melhor de mim em termos de tempo e energia. Ela ergueu uma das mãos.
— E então?
— Interessada? Gina arqueou as sobrancelhas.
— Em seus clientes?
— Vou transformá-los em seus clientes — corrigiu ele.
— Interessada?, pensou Gina. Daria quase tudo para ter a chance de receber alguns casos. Mas precisava ser prática. — Obrigada, Harry, mas não estou interessada em formar uma parceria no momento.
— Nem eu. - Confusa, ela meneou a cabeça.
— Então, o que você está...
— Há salas vagas que você pode alugar na minha propriedade. Tenho alguns casos que serei obrigado a recusar ou transferir para alguém. — Harry ainda não sabia por que queria transferi-los para ela. Gina era da família, justificou para si mesmo. — É uma simples questão de oferta e procura.
Gina ficou em silêncio por um longo momento, parecendo pensativa. Estava ainda mais linda do que ele se recordava.
Por duas semanas, Harry havia resistido à vontade de procurá-la. Até aquela noite, quando finalmente, aceitou que não conseguiria tira-la da cabeça. A secretária eletrônica de Gina o informara onde encontrá-la. Com a oferta que acabara de fazer já em mente, tinha ido ao restaurante. Se Gina aceitasse, ele teria a vantagem... e a desvantagem... de estar ao lado dela todos os dias.
— Harry — começou ela, olhando-o fixamente — , estou muito tentada, mas gostaria de lhe fazer uma pergunta.
— Claro.
— Porquê?
Recostando-se, ele acendeu um cigarro.
— Acredito em você como profissional. E de certa maneira, somos parentes.
— Obrigações familiares novamente — disse ela.
— Prefiro a palavra lealdade.
Após um instante de reflexão, Gina respondeu:
— Eu também.
— Pense sobre isso. — Enfiando a mão no bolso do paletó, ele tirou um cartão. — Aqui está o endereço. Vá lá amanhã e dê uma olhada.
— Obrigada, eu irei. — Quando Gina foi pegar o cartão, descobriu a mão presa na de Harry. Eles se entreolharam.
— Você fica linda vestida de seda, bebendo champanhe, com um leve toque do brilho do fogo nos olhos — murmurou Harry, acariciando-lhe a mão. — Tenho pensado muito em você, Gina. - quando sua voz se aprofundou, ela sentiu uma forte onda de desejo. — Pensei no seu rosto bonito, no seu aroma, no seu gosto. Na sensação do seu corpo contra o meu.
— Não. — A palavra era um sussurro de desejo. - Não faça isso.
— Quero fazer amor com você por horas, até que seu corpo esteja fraco e que na sua mente só exista eu.
— Não — repetiu Gina e retirou a mão. O coração estava disparado no peito. Como ele podia fazê-la se sentir assim apenas com palavras? — Isso não vai dar certo — acrescentou.
— Não? — Vê-la lutar contra o desejo o fez se sentir poderoso. — Pelo contrário, Gina, isso vai dar muito certo.
Gina pegou seu champanhe e bebeu. Um pouco mais firme, encarou-o.
— Preciso de uma sala para o escritório e clientes. — Ela respirou fundo, perguntando a si mesma se seu coração voltaria ao normal. — Também necessito de uma atmosfera de profissionalismo.
— A oferta é estritamente profissional, doutora — murmurou ele com um sorriso nos olhos. — E você vai aceitar ou recusar, não tem nada a ver com outros... aspectos do nosso relacionamento, nem vai mudar o que está acontecendo entre nós.
— Não entende que eu não quero nenhum relacionamento com você? — devolveu ela. — Não pretendo que nada aconteça entre nós.
— Então, não importa se trabalharmos na mesma casa, certo? — Comum sorriso, Harry colocou o cartão na mesinha lateral. — Acho difícil acreditar que você tem medo de mim, Gina. Parecia-me uma mulher muito forte.
Os olhos dela esfriaram.
— Não tenho medo de você, Harry.
— Ótimo — murmurou ele. — Então, nos veremos amanhã. Fairman acabou de entrar, portanto estou indo. — Levantando-se, deu-lhe um beijo no rosto. — Aproveite a noite, amor.
Irritada, Gina o observou partir. Pegando cartão da mesa, rasgou-o em duas partes. Não queria saber do escritório ou dos clientes de Harry Potter. Com medo?, uma vozinha questionou em sua cabeça. Com um gemido de frustração, abriu a bolsa e jogou os pedaços do cartão lá dentro.
Não estava com medo. E não ia perder uma oportunidade profissional porque Harry Potter só pensava em sexo. Iria ao escritório dele, decidiu, e num impulso bebeu o resto do champanhe num gole só. Se as acomodações fossem boas, aceitaria. Ninguém iria impedi-la de chegar onde queria. Nem ela mesma.
Pela manhã, Gina foi ver as duas propriedades indicadas pelo corretor de imóveis. A primeira era um "não" positivo, a segunda um "talvez". Em vez de ir para a terceira casa indicada, pegou-se indo para o endereço do cartão de Harry.
Seria objetiva como fora com as outras, disse a si mesma. Consideraria o espaço, a localização e o aluguel. O fato de a casa ser dele não poderia influenciá-la.
Com alguma sorte, ele nem estaria no escritório, e a secretária lhe mostraria o local. Seria mais fácil tomar a decisão sem a presença de Harry.
Ela amou o lugar assim que o viu. A casa era antiga e lindamente preservada, aninhada com toda elegância entre arranha-céus de vidro e havia caminhos de neve no gramado, mas a pequena área de estacionamento ao lado estava limpa.
Enquanto seguia o piso azulejado, Gina olhou ao redor. Havia uma sentinela de carvalho no jardim, uma longa cerca viva separando o gramado da calçada. O Palácio da Justiça ficava menos de um quilômetro. Até agora, era bom demais para ser verdade.
Ao lado da porta pesada, uma discreta placa de latão anunciava: "Harry Potter, Advogado". Ela imaginou uma placa similar embaixo com o seu nome. Calma, Gina, você ainda nem viu o interior, a voz voltou. Mas quando abriu a porta, lembrou-se do comentário de Harry sobre destino algumas semanas atrás.
A área de recepção era em tons rosa e marfim. Mesas de ferro ladeavam um sofá entalhado. Gina sentiu a fragrância de flores frescas vindo de um pequeno vaso sobre a mesa. O piso era de madeira brilhante, e acima da lareira; onde um fogo queimava vigorosamente, havia um espelho oval.
Harry Potter tinha estilo, pensou ela.
Atrás de uma mesa de madeira, na qual muitas pastas e papéis estavam espalhados de forma desorganizada, uma mulher de meia-idade segurava o telefone entre a orelha e o ombro enquanto datilografava freneticamente. Ela sorriu para Gina e gesticulou para que sentasse.
— A agenda do sr. Potter está cheia até a próxima quarta — murmurou ao telefone. — Posso marcar uma hora para quinta à tarde, às duas horas. Sim, sra. Patterson, é o primeiro horário livre dele... Sim, eu retorno se houver algum cancelamento. — Ela parou de datilografar para anotar na agenda.
Gina tirou o casaco e colocou-o no braço do sofá. Quando a secretária desligou o telefone, sorriu-lhe.
— Boa tarde, posso ajudá-la?
— Sou Gina Weasley...
— Oh, sim — interrompeu a mulher e se levantou, revelando que o resto do corpo era tão redondo quanto o rosto. — O sr. Potter disse que talvez você viesse. Sou Lucy Robinson.
— Prazer. — Gina apertou a mão da mulher. - A senhora parece muito ocupada. Talvez eu deva voltar outra hora...
— Bobagem. — Lucy deu-lhe um tapinha maternal no braço. — O sr. Potter está com um cliente, mas me deu ordem para lhe mostrar a casa. Vamos subir e ver a sua sala, primeiro.
Antes que Gina pudesse explicar que não era ainda a sua sala, Lucy já estava indo em direção à escada. Deixou a máquina de escrever ligada e Gina perguntou-se se deveria avisar.
— Sra. Robinson...
— Chame-me de Lucy. Não somos formais aqui, é mais como uma família.
Família, pensou Gina. Parecia não haver como fugir disso.
Enquanto subiam a escada, cujo corrimão era impecavelmente lustroso, Lucy continuou falando:
— No andar debaixo, há uma sala de conferências e uma pequena cozinha. Muitas vezes não saímos para almoçar e comemos aqui mesmo. Você sabe cozinhar?
— Ah... não muito bem.
— Que pena. — Lucy parou no topo da escada.
— Nem Harry nem eu somos muito talentosos na cozinha. — Ela estudou Gina por um momento.
— Ele não me disse que você era tão bonita. São parentes, não?
— De certa forma. Meu irmão é casado com a irmã dele.
— Eu sabia que era algo assim. — Lucy apontou para uma porta. — A sala de Harry é essa, a sua, fica no fim do corredor.
— É uma casa adorável — comentou Gina enquanto seguiam o corredor. — Parece que Harry não precisou mexer muito na estrutura para transformá-la em escritórios.
— Só foi preciso derrubar algumas paredes — concordou Lucy. — Quando se passa muito tempo em um lugar, este deve ser confortável.
— Hum. — Gina pensou no cubículo que era a firma Barclay, Stevens e Fitz. — Faz tempo que você trabalha para Harry?
— Comecei quando ele era advogado do estado — contou Lucy. — Quando Harry me convidou para ser sua secretária particular, não pensei duas vezes. Aqui estamos. — Ela abriu a porta, indicando que Gina entrasse.
Era perfeito demais, pensou Gina, andando pela sala vazia. Pequena, mas não apertada, com duas grandes janelas. Seus saltos ecoaram no piso de madeira quando se aproximou da bonita lareira de mármore branco.
Podia facilmente visualizar a sala mobiliada. com algumas poltronas confortáveis, talvez um sofá vitoriano de dois lugares com uma mesinha baixa. Em uma das paredes, faria uma prateleira para seus livros de Direito. Se quisesse começar sua prática com estilo, jamais encontraria nada mais apropriado.
— Não sei como Harry não achou um uso para essa sala — pensou em voz alta.
— Oh, a sala esteve mobiliada por um tempo. Ele ficava aqui em vez de ir para casa quando trabalhava até mais tarde — disse Lucy. — Então, decidiu que o trabalho não podia virar obsessão.
— Entendo.
— A biblioteca fica nesse andar — continuou a secretária. — Há também um banheiro completo, tudo de porcelana original. Ops, o telefone está tocando. Fique à vontade. — Sem esperar resposta, ela correu de volta para o corredor.
Lucy não se parecia nada com a jovem secretária que Gina compartilhara em Barclay. Mas então, no local de trabalho de Harry tudo era diferente e muito mais agradável.
Os clientes se sentiriam relaxados lá, cercados por um toque pessoal e aconchegante. Estudando as possibilidades, ela foi para o corredor e abriu uma porta ao acaso, encontrando a biblioteca de Harry.
Uma mesa longa dominava o centro da sala, na qual alguns livros estavam amontoados. Pegando um livro aberto, Gina leu: "Estado versus Sylvan." Aquele tinha sido um caso volátil no fim dos anos setenta, com muita publicidade e um longo julgamento repleto de emoções. Por que Harry estaria consultando aquilo?, perguntou-se. Intrigada, abaixou o livro para começar a ler. Quando ele apareceu à porta dez minutos depois, estava absorta.
Ele não falou por um momento, percebendo que era a primeira vez que a via tão entretida em alguma coisa. A expressão era concentrada e os lábios estavam levemente entreabertos. Com as mãos apoiadas sobre a mesa, ela estava inclinada para a frente, e os cabelos atrás da orelha revelavam delicados brincos de ouro. Ele sabia que quando se aproximasse, sentiria o aroma maravilhoso de Gina, fazendo promessas incríveis. Cauteloso, enfiou as mãos nos bolsos e permaneceu onde estava.
— Leitura interessante?
Gina ergueu a cabeça, mas endireitou o corpo devagar.
— "Estado versus Sylvan." Um caso fascinante. A defesa só faltou tirar um coelho da cartola no julgamento de três meses.
— O'Leary é um grande advogado de defesa. — apoiando as costas contra a porta, ele a estudou.
— Entretanto, após duas apelações, ele perdeu — apontou ela.
— O cliente dele era culpado. O processo formou um caso cuidadosamente estruturado.
Gina traçou um dedo pelo livro aberto.
— Você tem um caso parecido, ou isso é somente leitura casual?
Ele sorriu.
— Virginia Day — respondeu, então esperou pela reação dela.
Gina arregalou os olhos.
— Você a está defendendo?
— Isso mesmo.
Gina conhecia a história. Um assassinato na alta sociedade. Marido infiel, esposa ciumenta, um pequeno revólver mortal.
— Você não pega casos fáceis, verdade?
Ele deu de ombros e mudou de assunto.
— Lucy me disse que lhe mostrou a sala.
— Sim. Vi evidências da desorganização dela — começou Gina com um sorriso. — Assim como muita eficiência. A única coisa que não percebi foi o vício de Lucy em novelas.
— A menos que você tenha uma hora para perder, não lhe pergunte sobre novelas.
Com uma risada, Gina se levantou, aproximando-se.
— Sua casa é maravilhosa, Harry. Sou forçada a admitir que é melhor do que qualquer outra que já vi.
— Forçada? — disse ele, descobrindo que estava certo sobre o aroma de Gina.
— Quase esperei que não fosse adequada, de modo que eu não precisasse tomar uma decisão. — Você mesmo escolheu os móveis?
— Sim. Gosto de leilões e lojas de antiguidades. Além disso, não confio no julgamento de outras pessoas quando se trata de algo com que eu terei de conviver.
— Muito sensato. Se eu não ficar com o espaço, você vai alugá-lo de qualquer maneira?
— Não necessariamente. — Ele observou-lhe as mãos, e mais uma vez achou quase um pecado que os dedos não fossem adornados por anéis. — Não quero arriscar passar tanto tempo com alguém com que não sei se sou compatível.
Ela arqueou as sobrancelhas.
— E acha que nós dois somos compatíveis?
— Acho que nos damos bem o suficiente, Gina. Por que não vamos nos sentar na minha sala?
Enquanto seguiam o corredor, Harry a olhou.
— Posso pedir que Lucy traga um café.
— Não, estou bem... e ela parece bastante atarefada.
O escritório de Harry era grande, mas astutamente dominado por uma mesa antiga de madeira. Como a de Lucy, estava repleta de arquivos e blocos, no entanto, a mesa de Harry refletia organização escrupulosa. Com certeza, ele não exagerara sobre o excesso de trabalho.
A lareira estava acesa lá também, e as paredes exibiam aquarelas vivas e alegres. Gina olhou ao redor antes de escolher uma poltrona de couro.
— Tudo muito bonito — comentou quando ele se acomodou na poltrona ao lado. — Não quero tomar o seu tempo, Harry. Segundo Lucy, sua agenda está cheia até a próxima semana.
— Acho que posso tirar alguns minutos de intervalo. — acendendo um cigarro, relaxou contra o encosto da poltrona. — Uma vez que você gostou do lugar, parece que tem uma decisão a tomar.
— Sim. — Gina suspirou. — Eu gostaria de ficar com a sala, Harry. Mas é claro, preciso saber o preço.
Soltando a fumaça, ele forneceu um valor que estava dentro do orçamento de Gina, mas alto o bastante para que ela não considerasse caridade.
— Lucy concordou em trabalhar para você até que esteja totalmente instalada. Então, você decide se quer continuar com ela ou contratar sua própria secretária.
Gina assentiu com um gesto de cabeça.
— Certo, acho que podemos fazer negócio. Quanto ao fato de você me passar clientes, não sei se me sinto muito confortável com isso.
— Por que não? — questionou ele. — Você não estava esperando por um pouco de propaganda, jantando com Fairman ontem?
Gina o olhou.
— Não gosto da forma como você coloca isso, mas sim. É um pouco diferente do que você propôs.
— Se não quer os meus clientes, vou passá-los para outra pessoa — murmurou ele. — No momento, há dois casos que eu gostaria de pegar, mas não posso. O caso Day vai requerer centenas de horas.
Gina queria muito saber detalhes, mas conteve-se.
— Por que você os transferiria para mim? Não sabe se sou boa ou não.
— Pelo contrário. Investiguei você.
— O quê?
Ele sorriu do semblante indignado de Gina.
— Não acha que eu recomendaria clientes para um advogado se não soubesse que ele é competente, acha?
Ela suspirou, frustrada.
— Não. Tudo bem, quais são os dois casos?
— O primeiro é uma acusação de estupro. O menino tem dezenove anos. Cabeça quente, má reputação. Ele alega que a garota estava disposta... diversas vezes, na verdade... então, eles tiveram uma briga. Logo depois, ele foi acusado. O segundo, é um caso de divórcio. A esposa é a pleiteadora. Quando chegou aqui, o olho esquerdo estava inchado e iria precisar de cirurgia dental extensiva.
— Esposa que apanha — disse Gina com desgosto.
— Aparentemente. Ela diz que isso já acontece há um bom tempo, mas agora chegou ao limite e ele a está processando por abandono do lar. O homem é rico e tem poder, e a esposa está relutante em acusá-lo formalmente. Será um caso complicado.
— Nunca pensei que você me passaria alguma coisa simples — murmurou Gina. — Eu gostaria de falar com os dois na próxima semana.
— Ótimo.
— Você vai fazer o contrato para o aluguel, então?
— Estará pronto na segunda-feira.
— Vou deixá-lo trabalhar agora. — Com um sorriso, Gina se levantou. — Parece que terei de comprar uma mesa — acrescentou, guardando o momento de empolgação para quando estivesse sozinha. — Obrigada, Harry. — Ela estendeu a mão. — Apreciei muito o fato de você me dar a primeira chance.
— Aceito sua gratidão agora. Talvez não fique tão feliz depois de falar com essas duas pessoas.
Levantando-se, ele aceitou a mão oferecida.
— Negócios concluídos. Agora — erguendo um dedo, brincou com a gola da blusa de Gina — , jante comigo hoje, Gina.
Com que facilidade a voz dele assumia aquele tom íntimo, pensou ela, sentindo o sangue esquentar em resposta instantânea.
— Acho que será mais sábio se nos concentrarmos somente nos negócios, Harry.
— Na hora certa — murmurou ele. — Penso em coisas melhores numa noite fria de sexta-feira. Há um pequeno lugar em Back Bay, onde o peixe é fresco e delicioso. Em um dos cantos, tem uma mesa que a luz mal alcança. Você pode sentir o cheiro de velas e nunca ver nenhum conhecido.
Ele gentilmente traçou-lhe o lóbulo, brincando com o brinco de ouro.
— Eu gostaria de levá-la lá, tomar vinho, ouvir sua risada. Então, mais tarde, eu a levaria para minha casa e acenderia a lareira. — Lentamente, os olhos de Harry percorreram-lhe o rosto, demorando-se em cada nuance. — Eu faria amor com você até que restassem apenas as brasas.
Ele se aproximou, mas Gina não notou, apenas ofegando contra seus lábios. Podia visualizar a cena que Harry descrevera. Ele seria um amante maravilhoso... o tipo de amante que toda mulher desejava, mesmo sabendo que poderia não sobreviver à experiência. E ela o queria, mais do que já quisera qualquer homem. Todavia, seria apenas mais uma mulher na lista dele.
— Não. Isso não é o que eu quero — murmurou sem convicção.
— É, sim — corrigiu ele. Então, puxou-a para seus braços e beijou-a ardentemente.
Sem poder evitar, Gina correspondeu com a paixão que sentia pulsar em seu interior. Entregando-se às carícias, desejou que pudesse fundir-se a Harry para sempre. Aquilo era tão tentador que poderia levá-la para um caminho perigoso e sem volta. Pensando nisso, Gina gemeu e saiu dos braços dele.
— Não! — repetiu com mais força dessa vez. — Estou lhe dizendo que isso não é o que quero.
Os olhos de Harry brilharam com algo que parecia fúria, mas a voz era calma o bastante. Não estava acostumado a sentir desejo e raiva ao mesmo tempo, e esforçou-se para encontrar o equilíbrio.
— Eu sei que é — insistiu ele. — Mas posso esperar um pouco mais para que você admita isso.
— Você terá de esperar muito — retorquiu ela, pegando a bolsa com a mão trêmula. — Apronte os papéis para segunda-feira e eu trago o cheque. Se não puder lidar com as coisas dessa maneira, então vamos esquecer tudo.
Harry não se moveu quando ela saiu e bateu a porta. Precisava de um momento para controlar as emoções. Não pretendia ter perdido o controle. Na verdade, prometera a si mesmo que não perderia. Enfrentava tribunais com promotores que tentavam esmagá-lo. Sentava-se em salas de conferências com clientes que o amaldiçoavam. E tinha perfeito controle sobre tudo. Gina podia destruí-lo com uma palavra, um único olhar.
Alguma coisa inesperada estava acontecendo. Se fosse esperto, pensou, faria exatamente o que Gina exigia. Eles poderiam ser colegas de trabalho, discutir casos atuais e reclamar dos juízes.
Mas não era esperto, decidiu, esperando que o nó em seu estômago se desfizesse. Iria ter Gina... e não demoraria tanto quanto ela pensava.
N/a: Mais um capítulo aí minha genteee!!
Eu realmente adoro essa históriaa! *-*
E ela está começando a ficar cada vez melhor hein?!
Harry e Gina convivendo juntos todo dia, vai dar certo? Isso serão cenas do próximo capítulo!
Mas eu estou decepcionada com vcs, quase nenhum comentárioo! =/
Vamos deixar comentários aee, por favor, por favor!!
Espero atualizar a fic o mais breve possível!
beeijOs
e até a próximo cap.!