CAPÍTULO DEZENOVE
Gina deu uma passada rápida na sala do noticiário e olhou em todas as telas. Não havia sinal de Morse, mas isto não a preocupou. Era um complexo muito grande de prédios. Ele não tinha motivos para se esconder, não tinha razão para se preocupar.
Ela não ia dar uma razão a ele.
O plano que formulara pelo caminho era simples. Não era tão satisfatório quanto o de levantá-lo pelos cabelos impecáveis, prontos para a câmera, e trancafiá-lo, mas era mais simples.
Ela conversaria com ele a respeito de Tonks, deixando escapar que ela estava preocupada. A partir dali seria muito natural levar o assunto na direção de Louise Kirski. Ela ia bancar a boa policial, por uma boa causa. Ela ia se mostrar solidária com o trauma dele, acrescentar uma história brava do primeiro encontro que ela teve com uma pessoa morta para envolvê-lo. Ela poderia até pedir que ele ajudasse na divulgação da foto de Tonks, de seu carro, e concordar em trabalhar com ele.
Não podia parecer muito amigável, decidiu. Devia mostrar um pouco de ressentimento e reforçar a urgência. Se ela estava certa a respeito dele, ele adoraria o fato de que ela precisava dele, e que ele poderia usá-la para aumentar o seu próprio tempo no ar.
Por outro lado, se ela estava certa a respeito dele, podia ser que Tonks já estivesse morta.
Gina bloqueou esta idéia. Fosse o que fosse, não poderia ser mudado, e os arrependimentos podiam ficar para depois.
- A senhorita deseja alguma coisa?
Gina olhou um pouco para baixo. A mulher que estava sentada à sua frente era tão perfeita que fazia lembrar uma estátua grega. Seu rosto parecia ter sido entalhado em mármore, seus olhos pintados com esmeralda líquida e os lábios com rubi. Era fato conhecido que os talentos da TV costumavam gastar o salário inteiro, nos seus três primeiros anos de profissão, em melhorias cosméticas.
Gina avaliou que, a não ser que aquela ali tivesse nascido com muita sorte, ia acabar gastando os primeiros cinco anos de salário nisso. Seus cabelos tinham um tom de bronze nas pontas e estavam presos no alto da cabeça para realçar os traços estonteantes. Tinha a voz treinada para parecer um ronronar vindo do fundo da garganta, que transmitia um ar de sexo bem-feito.
- Você trabalha na seção de fofocas, certo?
- Informações. Meu é Mars. - a mão perfeita, com dedos longos e unhas escarlate. - E a senhorita é a tenente Weasley.
- Mars. O seu nome me soa familiar.
- Deve ser. - Se Larinda ficou irritada por Gina não tê-la reconhecido de imediato, escondeu o sentimento muito bem por trás de um brilhante sorriso com dentes brancos e perfeitos e uma voz que exibia o leve sotaque britânico de uma pessoa da alta classe. - Estou tentando marcar uma entrevista com a senhorita e seu fascinante companheiro há várias semanas. A senhorita não tem dado retorno às minhas mensagens.
- É um péssimo hábito meu. Outro hábito é achar que a minha vida pessoal é assunto particular.
- Quando uma mulher está envolvida com um homem como Potter, a sua vida pessoal cai em domínio público. - Seu olhar baixou do rosto dela e foi fisgado como que por um anzol, parando em um ponto localizado entre os seios de Gina. - Minha nossa! Esse brilhante não é nenhuma bagatela! Foi um presente de Potter?
Gina engoliu a vontade de praguejar e fechou a mão sobre o diamante. Ela adquirira o hábito de brincar com ele enquanto pensava, e se esquecera de enfiá-lo de volta dentro da blusa.
- Estou à procura de Morse.
- Humm... - Larinda já tinha calculado o tamanho e o valor da pedra. Seria um comentário interessante para a sua matéria. Policial usa um diamante dado por bilionário. - Eu posso ajudá-la com relação a isso. E gostaria que você me retribuísse o favor. Vai haver uma pequena recepção, um coquetel, na casa de Potter, hoje à noite. - e balançou suas incríveis pestanas, que tinham duas camadas e dois tons diferentes. - Devo ter perdido o meu convite.
- Isso é assunto do Harry. Fale com ele.
- Oh... - Especialista em tocar na ferida, Larinda recuou. - Então é ele quem manda, por lá, não é? Imagino que, quando um homem está tão acostumado a tomar decisões, não consulta a namoradinha para nada.
- Eu não sou namoradinha de ninguém. - reagiu Gina, sem conseguir evitar. Respirou fundo para se controlar e reavaliou o lindo rosto à sua frente. - Esse golpe foi muito bom, Larinda.
- Sim, foi mesmo. E, então, que tal um convite para hoje à noite? Eu posso economizar um bocado de tempo em sua busca por Morse. - acrescentou quando Gina lançou novamente o olhar estreito em torno de toda a sala.
- Prove isso e nós vamos ver a respeito do convite.
- Ele saiu cinco minutos antes de você entrar. - Sem olhar para o aparelho, Larinda apertou um botão, colocando a chamada que estava entrando em seu tele-link em modo de espera. Por ser mais prático, ela usava um cilindro fino bem apontado para apertar os botões em vez das unhas bem tratadas. - Ele estava morrendo de pressa, eu diria, porque quase me atropelou na saída do elevador. Parecia muito doente. Pobrezinho.
O veneno que sentiu na voz de Larinda fez com que Gina se sentisse mais sintonizada com ela.
- Você não gosta de Morse, não é?
- Ele é um baba-ovo. - afirmou Larinda com sua voz melodiosa. - Esta aqui é uma profissão muito competitiva, querida, e eu não sou contra passar por cima de alguém para ir em frente de vez em quando. Morse, porém, é daquele tipo que é capaz de pisar em um cara, depois dar um chute no saco dele e ir em frente sem desmanchar o cabelo. Tentou fazer isto comigo quando trabalhávamos juntos no departamento de notas sociais.
- E como foi que você lidou com ele? - Ela rolou os ombros com sensualidade.
- Querida, eu devoro pequenos vermes como ele no café da manhã, e consegui tirar de letra. Mesmo assim, reconheço que ele não era assim tão mau. É um demônio para fazer pesquisas, e tem uma boa presença diante da câmera. O problema é que ele se achava macho demais para trabalhar na área de fofocas.
- Informações sociais. - corrigiu Gina com um sorriso discreto.
- Certo. Enfim, eu não fiquei muito triste quando ele foi para o departamento de notícias mais sérias. E ele também não fez muitos amigos por lá também. E conseguiu cortar Tonks.
- O quê? - Um sino tocou dentro da cabeça de Gina.
- Ele quer ser o âncora do noticiário, e quer ser âncora sozinho. Todas as vezes que está no ar com ela, ele puxa um pouco o tapete. Fala na frente dela, acrescenta alguns segundos no texto, na parte dele, por conta própria. Mexe no resumo dela. Por uma ou duas vezes, o tele-prompter também deu problemas na hora de passar o texto de Tonks. Ninguém conseguiu provar isso, mas todos sabem que Morse é um gênio da eletrônica.
- É mesmo?
- Todos nós o detestamos. - disse ela com alegria. - Só lá em cima, na direção, é que não. O chefão acha que ele dá um bom ibope, e gosta do seu instinto predatório.
- Fico me perguntando se eles realmente apreciam. - murmurou Gina. - Para onde ele foi?
- Nós não paramos para bater papo, mas, pelo jeito que ele estava, eu diria que foi para casa, direto para a cama. Estava muito caído. - Mexeu de novo com os ombros curvilíneos, fazendo com que uma suave fragrância enchesse o ar. - Talvez ele ainda esteja se sentindo abalado por ter encontrado Louise, e eu devia ter mais um pouco de pena dele, só que isto é difícil em se tratando de Morse. E agora, e quanto ao convite?
- Onde fica a mesa dele?
Larinda suspirou, colocou a chamada para ser gravada pelo aparelho e se levantou.
- Venha comigo, é por aqui. - Ela deslizou entre as divisórias, mostrando que o seu corpo era tão impressionante quanto o rosto. - O que quer que esteja procurando, não vai achar nada. - e lançou um sorriso cruel por cima dos ombros. - Ele fez algo errado? Será que finalmente conseguiram passar alguma lei que transforme as tendências para babar ovo em crime?
- Eu apenas preciso conversar com ele. Por que disse que eu não vou achar nada?
Larinda parou em um cubículo no canto da sala, com a mesa puxada para a frente, de modo que qualquer pessoa sentada ali ficava de costas para a parede e com os olhos na sala. Um pequeno sinal de paranóia, pensou Gina.
- Ele não deixa nada do lado de fora, nem o menor memorando, nem a notinha mais ridícula. Mesmo que ele se levante só para dar uma coçadinha na bunda, tranca o computador. Diz que, certa vez, alguém roubou uma das pesquisas que estava fazendo para uma de suas matérias. Ele até mesmo usa um amplificador telefônico para poder falar sussurrando, nas ligações que recebe, sem ninguém conseguir ouvir. Como se todos nós estivéssemos loucos para ouvir as palavras douradas que saem da sua garganta.
- E como foi que você descobriu que ele usa amplificador de áudio?
- Essa foi boa, tenente. - Larinda sorriu. - A mesa dele vive trancada também. - acrescentou. - Os discos ficam em segurança. - e lançou um olhar por trás das pestanas com pontas douradas. - Como você é detetive, provavelmente já sacou como é que eu sei disso. Agora, com relação ao convite?
A baia de trabalho estava arrumada, pensou Gina. Impecável demais para alguém que estava trabalhando muito e de repente saíra passando mal.
- Ele tem uma fonte na Central de Polícia?
- Deve ter, embora eu não consiga imaginar um ser humano de verdade se relacionando com Morse.
- Ele fala a respeito disso, fica se gabando por ter essa fonte?
- Ei, pelo evangelho segundo Morse, ele sempre tem as mais importantes fontes nos quatro cantos do universo. - Sua voz perdeu um pouco da sofisticação com a pressa e denunciou um leve sotaque da região de Queens, em Nova York. - Só que ele jamais conseguiu apagar Tonks. Bem, pelo menos até o assassinato de Lilá Brown, mas ele não ficou por cima por muito tempo.
O coração de Gina estava martelando dentro do peito naquele instante, firme e forte. Ela concordou e se virou para ir embora.
- Ei - gritou Larinda em sua direção. - E sobre hoje à noite? É toma lá, dá cá, Weasley.
- Sem câmeras, senão você sai antes de entrar. - avisou Gina, e continuou andando.
Por se lembrar dos seus dias de policial de rua, e da sua ambição, Gina requisitou Granger para acompanhá-la.
- Ele vai se lembrar da sua cara. - Gina esperou, impaciente, enquanto o elevador subia até o trigésimo terceiro andar do prédio de Morse. - Ele é bom com rostos. Não quero que você diga nada, a não ser que eu lhe dê uma abertura, e então mantenha o papo bem lacônico e em nível oficial. E aparente um ar austero.
- Eu já nasci com um ar austero.
- Pode ficar brincando com o cabo da sua arma de atordoar de vez em quando. Talvez você possa parecer um pouco... ansiosa.
Os cantos da boca de Granger se retraíram, em um sorriso.
- Como se eu estivesse a fim de usá-la, mas não posso, em presença de um oficial superior.
- É isso aí! - Gina saiu do elevador e virou para a esquerda. - Neville ainda está trabalhando nos dados, portanto eu ainda não tenho tantas coisas para pressioná-lo como gostaria. O fato é que eu posso estar errada.
- Mas a senhora não acha que esteja errada.
- Não, não acho. Só que eu estava errada no caso de David Angelini.
- A senhora construiu um bom caso circunstancial, e ele parecia totalmente culpado no interrogatório. - Diante do olhar casual de Gina, Granger ficou vermelha. - É que os policiais envolvidos em um caso têm o direito de fazer uma revisão de todos os dados que se refiram a tal caso.
- Eu sei como funciona, Granger. - De modo muito profissional e oficial, Gina se fez anunciar pelo inter-comunicador da entrada. - Você está em busca de um distintivo de detetive, policial?
- Sim, senhora. - respondeu Granger, esticando os ombros. Gina simplesmente concordou, se fez anunciar mais uma vez e esperou.
- Vá até o fim do corredor, Granger, para ver se a saída de emergência está bem trancada.
- Como, senhora?
- Vá até o fim do corredor. - repetiu Gina fixando o olhar desorientado de Granger. - Isso é uma ordem!
- Sim, senhora.
No instante em que Hermione virou as costas, Gina pegou o seu cartão-mestre para liberar códigos e destrancou a fechadura. Fez a porta deslizar alguns centímetros e já colocara o cartão de códigos de volta na sacola quando Hermione voltou.
- A saída está bem fechada, senhora.
- Ótimo. Parece que ele não está em casa, a não ser que... Ora, veja só Hermione, a porta não está bem fechada.
Hermione olhou para a porta, e depois de volta para Gina, e apertou os lábios.
- Considero isso incomum, senhora. Pode ser que estejamos diante de um caso de arrombamento, tenente. O senhor Morse pode estar em perigo.
- Tem razão, Hermione. Vamos deixar isto registrado. - Enquanto Hermione ligava o gravador, Gina acabou de abrir a porta e pegou na arma. - Morse? Aqui é a tenente Weasley, do Departamento de Polícia da Cidade de Nova York. A porta de sua casa não estava trancada. Nós suspeitamos que tenha havido um arrombamento, e estamos entrando no apartamento. - Ela entrou e fez sinal para que Hermione ficasse junto dela.
Gina entrou no quarto, verificou o closet e deu uma olhada no centro de comunicações, que ocupava mais espaço do que a cama.
- Não há sinal de intrusos. - disse a Hermione, e então entrou na cozinha. - Para onde será que o nosso passarinho voou? - quis saber. Pegando o comunicador, entrou em contato com Neville: - Passe-me tudo o que conseguiu até agora. Estou dentro do apartamento dele, e ele não está aqui.
- Só estou no meio da pesquisa, mas acho que você vai gostar. Primeiro, o registro dos tempos de juventude, que estava lacrado; eu tive de suar a camisa para conseguir acessar esse, garota. O pequeno C. J. teve problemas com a instrutora de ciências sociais quando tinha dez anos. Ela não deu conceito A em um trabalho.
- Ora, que megera!
- Bem, foi isso o que ele achou também, aparentemente. Invadiu a casa dela, destruiu tudo. E matou o cachorrinho dela.
- Nossa! Matou o cachorro?
- Cortou a garganta dele, Weasley, de uma orelha a outra. Ele acabou condenado a terapia obrigatória e obteve liberdade, sob a condição de prestar serviços comunitários.
- Isso é bom. - Gina sentiu que as peças começavam a se encaixar. - Vá em frente.
- Certo, estou aqui para servir. Nosso amigo dirige um Rocket, de dois passageiros, novo em folha.
- Deus o abençoe, Neville.
- E tem mais. - disse ele envaidecendo-se. - Seu primeiro emprego, depois que ficou adulto, foi na seção de plantão para situações de emergência em uma pequena emissora de sua cidade natal. Ele se demitiu quando outra repórter passou na frente dele para conseguir uma apresentação ao vivo. Uma mulher.
- Não pare agora. Acho que eu amo você, Neville.
- Todas as detetives me amam. É por causa do meu rostinho lindo. Conseguiu ir para o ar no emprego seguinte, trabalhando só nos fins de semana, substituindo os repórteres de primeira e segunda linha. Saiu do emprego correndo, reclamando de discriminação. A editora de matérias era uma mulher.
- Está ficando cada vez melhor.
- Mas agora é que vem a grande. Uma emissora onde ele trabalhou, na Califórnia. Estava indo muito bem lá; veio subindo desde a terceira linha, até que conseguiu um cargo regular, apresentando o noticiário de meio-dia como co-âncora.
- Com uma mulher?
- Foi, mas isto não é o melhor, Weasley. Espere só. Tinha uma mocinha que apresentava a previsão do tempo, e ela começou a receber um monte de cartas do público. Os chefões da emissora gostavam tanto dela que a deixaram fazer algumas das matérias mais simples do noticiário do meio-dia. Os índices de audiência subiram quando ela estava no ar, e ela começou a ter um espaço na mídia só para ela. Morse se demitiu, alegando que ele se recusava a trabalhar com uma profissional não qualificada. Isto tudo aconteceu pouco antes de a mocinha do tempo conseguir dar seu primeiro grande passo. Um papel regular em um seriado de TV. Quer tentar adivinhar o nome dela?
Gina fechou os olhos.
- Diga-me que foi Yvonne Metcalf, Neville.
- O grande prêmio vai para a tenente! Na agenda dela havia uma nota a respeito de um encontro com o Bundão dos antigos dias nublados. Eu aposto que o nosso rapaz a procurou em nossa agradável cidade. Engraçado ele jamais ter mencionado em suas reportagens que eles eram velhos amigos. Isto daria um certo brilho às matérias.
- Eu realmente amo você, Neville, desesperadamente. Vou até beijar seu rosto feio!
- Ei, ele já tem dona! É isto que a minha mulher sempre me diz.
- Sim, certo. Preciso de um mandado de busca, Neville, e preciso que você venha até aqui na casa de Morse para tentar entrar no computador.
- Já pedi o mandado. Vou transmiti-lo para você assim que chegar. Depois vou direto para aí.
Às vezes as coisas avançavam com suavidade. Gina estava com o mandado nas mãos e Neville no apartamento, em menos de trinta minutos. Ela realmente o beijou, de forma tão entusiasmada que o fez ficar vermelho como uma beterraba híbrida.
- Fique de guarda na porta, Hermione, e depois vistorie a sala de estar. Não se preocupe por desarrumar as coisas.
Gina entrou no quarto, dois passos na frente de Neville. Ele já estava esfregando as mãos.
- Esse é um sistema maravilhoso. - disse ele. - Apesar dos defeitos do rapaz, temos de reconhecer que o idiota manja de computadores. Olhe só que máquina! Vai ser um prazer brincar com ela. - Ele se sentou enquanto Gina começava a vasculhar as gavetas.
- Ele anda na moda, de forma obsessiva. - comentou ela. - Não tem nada que mostre muitos sinais de uso exagerado, nem nada muito caro.
- Ele gasta todo o dinheiro dele nos brinquedos. - Neville se debruçou sobre o computador, com o cenho franzido. - Esse cara respeita o equipamento e é cuidadoso. Tem bloqueios por código em toda parte. Caramba! Ele tem um sistema de segurança contra invasores!
- O quê? - Gina esticou as costas. - Em um computador doméstico?
- Tem um aqui, sim. - Cuidadosamente, Neville se recostou na cadeira. - Se eu não usar os códigos certos, os dados vão para o espaço. E tem uma grande possibilidade de ser liberado por controle de voz. Não vou conseguir entrar assim tão fácil, Weasley. Vou ter de trazer alguns equipamentos para cá, e vai levar algum tempo.
- Ele fugiu. Eu sei que ele fugiu. Ele já sabia que a gente vinha atrás dele.
Balançando-se para a frente e para trás sobre os calcanhares, ela considerava as possibilidades de vazamento de informações; vazamentos humanos ou eletrônicos.
- Chame seu melhor homem para vir até aqui. Você pode pegar o computador dele na emissora. Era lá que ele estava quando fugiu.
- Vamos ter uma longa noite.
- Tenente. - Era Hermione que chamava da porta. Seu rosto estava impassível, a não ser pelos olhos. E os olhos estavam em fogo. - Acho que é melhor a senhora ver isto aqui.
Ao chegar à sala, Hermione gesticulou na direção da plataforma maciça sobre a qual ficava o sofá.
- Eu estava revistando toda a sala. Provavelmente teria perdido o detalhe. O caso, porém, é que o meu pai gosta de construir coisas. Estava sempre embutindo gavetas secretas e alçapões. Nós curtíamos muito aquilo. Costumávamos brincar de tesouro escondido. Fiquei curiosa quando vi um puxador ao lado do sofá. Parece um aparato de decoração, para simular um daqueles ferrolhos antigos. - Ela deu a volta pela frente do sofá e apontou.
Gina quase podia sentir as vibrações que subiam de sua pele. A voz de Hermione ficou ligeiramente mais aguda.
- Tesouro escondido.
Gina sentiu o coração dar uma batida rápida e mais forte. Ali, em uma gaveta comprida e profunda que entrava por baixo das almofadas, havia um guarda-chuva roxo e um sapato de salto alto, listrado de vermelho e branco.
- Nós o pegamos! - Gina se virou para Hermione com um sorriso feroz e poderoso. - Policial, você acaba de dar um passo gigantesco na direção do seu distintivo de detetive!
- Meu funcionário me disse que você o está perturbando.
Gina olhou de cara feia para Neville no comunicador.
- Só estou pedindo para que ele me dê atualizações periódicas. - Ela se afastou dos técnicos que estavam varrendo eletronicamente a sala de estar do apartamento de Morse. Eles estavam com as luzes acesas, todas muito fortes. O sol estava se pondo.
- Mas você está interrompendo o trabalho dele, Weasley. Eu lhe avisei que isso ia ser demorado. Morse é um perito em computação. Conhece todos os truques.
- Ele deve ter deixado tudo por escrito, Neville. Como uma droga de matéria jornalística. E se ele pegou Tonks, isto também deve estar em um daqueles discos.
- Concordo com você nisso, garota, mas respirar atrás da nuca do meu técnico não vai fazer com que ele consiga os dados mais depressa. Dê espaço para a gente trabalhar em paz, pelo amor de Deus! Você não tinha um programa elegante para ir hoje à noite?
- O quê? - Ela fez uma careta. - Ai, cacete!
- Vá logo colocar o seu vestido de festa e nos deixe em paz.
- Não vou ficar toda vestida como uma idiota sem cérebro, comendo canapés, enquanto ele está lá fora, à solta.
- Ele vai estar à solta não importa a roupa que estiver usando. Ouça bem, já montamos uma rede em toda a cidade. Estão de olho nele, e no carro. O apartamento dele está sob vigilância pesada, e a emissora também. Você não pode nos ajudar ficando aqui. Esta parte é trabalho meu.
- Eu posso...
- Atrasar ainda mais as coisas, me fazendo ficar aqui, conversando com você. - atacou. - Vá embora, Weasley! No minuto em que eu conseguir algo, a primeira mordida no anzol, ligo para você.
- Nós o pegamos, Neville. Temos quem foi e temos o porquê.
- Então deixe-me tentar descobrir o onde. Se Nymphadora Tonks ainda estiver viva, cada minuto é importante.
Era isso que a estava assombrando. Ela queria discutir, mas não havia munição.
- Tudo bem, eu vou então, mas...
- Não me ligue. - interrompeu Neville. - Eu ligo para você. - e desligou a transmissão antes que ela pudesse xingá-lo.
Gina estava tentando compreender os relacionamentos, a importância de equilibrar as vidas com as obrigações, o valor do compromisso. O que ela tinha com Harry ainda era novo demais para encaixar com conforto; era como um sapato ligeiramente desconfortável, mas que era lindo demais para animá-la a continuar com ele no pé até amaciá-lo.
Então ela entrou correndo no quarto, o viu em pé no closet e resolveu usar a estratégia de atacar primeiro.
- Não me venha com esse papo de que eu estou atrasada. Moody já me empentelhou com isso. - Despiu seus equipamentos e os jogou sobre uma cadeira. Harry estava acabando de prender uma abotoadura de ouro com as mãos elegantes e firmes.
- Você não tem satisfações a dar a Moody. - Ele olhou para ela, então, e deu um rápido piscar de olhos quando ela despiu a blusa. - Nem a mim.
- Olhe, eu tive trabalho. - Nua da cintura para cima, ela se sentou em uma cadeira para tirar as botas. - Eu disse que estaria aqui e estou aqui. Sei que os convidados vão começar a chegar em dez minutos. - Jogou uma das botas de lado enquanto as palavras abrasivas de Moody reverberavam em sua cabeça. - Vou estar pronta. Não levo horas para entrar em um vestido e depois tascar um punhado de maquiagem melada na cara.
Já sem as botas, ela arqueou os quadris e rebolou para puxar os jeans. Antes de eles atingirem o chão, ela já estava correndo para o banheiro da suíte. Sorrindo por causa de sua saída, Harry a seguiu.
- Não há pressa, Gina. Você não tem uma hora marcada para chegar em um coquetel, nem será barrada por estar atrasada.
- Eu disse que estaria pronta. - Ela ficou em pé entre os vários chuveiros embutidos nas paredes, espalhando um líquido verde-claro nos cabelos. A espuma escorreu sobre seus olhos. - Vou estar pronta.
- Certo, mas ninguém vai se sentir ofendido se você descer em vinte minutos, ou trinta, se for o caso. Estava esperando que eu fosse ficar aborrecido com você por ter uma outra vida?
Ela esfregou os olhos, que estavam ardendo, e tentou vê-lo por entre a espuma e o vapor.
- Talvez.
- Então você está fadada ao desapontamento. Se você se lembrar, eu a conheci por causa desta outra vida. E eu também tenho inúmeras outras obrigações. - Ele a observou enxaguar o cabelo. Era agradável ver a maneira com que ela jogava a cabeça para trás, o jeito com que a água e a espuma escorriam pela sua pele. - Não estou tentando prender você. Estou apenas tentando viver com você.
Ela tirou os cabelos molhados dos olhos enquanto ele abria o secador de corpo para ela. Ela saiu, andando em direção a ele, dando pulinhos. Então surpreendeu Harry agarrando o rosto dele com as duas mãos e dando-lhe um beijo com uma explosão de entusiasmo.
- Não deve ser fácil. - Ela entrou no cilindro e apertou a tecla que liberava ar quente e seco, em torvelinho, por todo o corpo. - Eu mal consigo viver comigo mesma. Às vezes fico pensando por que é que você não me joga no chão quando eu começo a perturbar você.
- Já tive essa idéia, mas muitas vezes você está armada.
Seca e perfumada pelo sabonete, ela saiu do secador.
- Não estou armada agora.
Ele a agarrou pela cintura, e então veio descendo as mãos até agarrar o seu traseiro firme e musculoso.
- Outras coisas passam pela minha cabeça quando você está nua.
- É? - Ela envolveu-lhe o pescoço com as mãos, apreciando o fato de que, ficando levemente na ponta dos pés, eles já estavam no mesmo nível, olho no olho, boca na boca. - Como o quê, por exemplo?
Com um pouco de arrependimento, ele a afastou ligeiramente com os dois braços.
- Por que não me conta o motivo de você estar tão empolgada?
- Talvez porque eu goste de ver você em uma camisa elegante. - Ela se afastou e pegou um robe curto em um cabide. - Ou talvez seja porque eu me sinta estimulada com a idéia de usar sapatos que vão fazer as solas dos meus pés gritarem pelas próximas duas horas.
Deu uma olhada no espelho e imaginou que ia ter de colocar um pouco da pintura que Luna estava sempre empurrando para que ela usasse. Chegando mais perto, firmou o escurecedor de cílios e delineador automático, apertou-o com firmeza sobre a pálpebra do olho esquerdo e apertou o botão.
- Ou talvez - continuou ela, olhando em volta - seja porque a policial Granger encontrou um tesouro escondido.
- Que bom para a policial Grange! E que tesouro escondido era esse?
Gina acabou de preparar o olho direito, e então piscou repetidamente para experimentar.
- Um guarda-chuva e um sapato.
- Você o pegou! - Abraçando-a pelos ombros, Harry beijou-lhe a nuca. - Meus parabéns!
- Nós quase o pegamos. - ela o corrigiu. Tentou se lembrar do que vinha depois, e escolheu o batom. Luna vivia apregoando as maravilhas de se aplicar tintura nos lábios, mas Gina tinha desconfiança de um compromisso com a cor que podia durar até três semanas. - Conseguimos as provas. Os técnicos confirmaram as impressões digitais dele nos suvenires. Só os dele e os da vítima, no caso do guarda-chuva. Encontramos outras impressões no sapato, mas já esperávamos encontrá-las de vendedores e outras compradoras. Eram sapatos novos, quase sem arranhões nas solas, e ela comprara vários pares na Saks pouco antes de morrer.
Ela voltou para o quarto, se lembrou de usar o creme perfumado que Harry trouxera para ela de Paris, e arrancou fora o robe para poder espalhá-lo sobre a pele.
- O problema é que nós ainda não pegamos o assassino. De algum modo ele recebeu a dica de que eu estava chegando, e deu no pé. Neville está trabalhando neste instante no equipamento dele, para ver se a gente consegue descobrir algum dado que possa nos levar até onde ele está. As ruas estão todas cercadas, mas ele pode já ter saído da cidade. Eu nem ia conseguir chegar para a festa, mas Neville me deu um chute na bunda. Disse que eu estava perturbando o técnico dele.
Ela abriu o closet, apertou o botão que fazia girar os cabides e viu o minúsculo vestido cor de cobre. Ela o tirou do cabide e o colocou na frente do corpo. As mangas eram compridas e desciam, soltas, a partir de um pescoço alto. O comprimento do vestido era mínimo e ele acabava um pouco abaixo do que era permitido pela lei.
- Vou ter de usar alguma coisa por baixo?
Ele abriu a gaveta de cima e pegou um minúsculo triângulo de pano que combinava com o vestido e podia ser ridiculamente chamado de calcinha.
- Só isto já deve servir.
Ela a pegou de sua mão abaixada e girou o corpo para entrar nela.
- Meu Deus! - disse depois de dar uma rápida olhada no espelho. - Bem, deixa pra lá. - Já que estava muito tarde para argumentar, entrou no vestido e começou a puxar o material colante para cima.
- É sempre uma distração ficar apreciando enquanto você se arruma, mas eu estou meio distraído no momento.
- Eu sei, eu sei. Pode descer que eu já vou.
- Não, Gina. Quero saber quem é o assassino.
- Quem é? - Ela puxou os ombros baixos do vestido e os colocou no lugar. - Eu não falei?
- Não. - disse Harry com admirável paciência. - Você não falou.
- Morse. - E se enfiou no closet à procura dos sapatos.
- Você está brincando!
- C. J. Morse. - Ela segurou os sapatos como se estivesse segurando uma arma, e seu olhar se tornou sombrio e fixo. - E quando eu acabar com aquele filho da mãe, ele vai conseguir mais tempo de TV do que jamais imaginou ter na vida.
O circuito de tele-link interno da casa apitou. A voz de desaprovação de Moody flutuou pelo ar.
- Os primeiros convidados já estão chegando, senhor.
- Certo. Quer dizer que foi o Morse? - perguntou ele a Gina.
- Isso mesmo. Vou lhe contar tudo entre os canapés. - Ela passou uma das mãos pelo cabelo. - Eu lhe falei que estaria pronta. E... Harry! - Ela entrelaçou os dedos nos dele enquanto se dirigiam para a sala. - Preciso que você autorize a entrada de uma convidada de última hora para mim. Larinda Mars.
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